segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Capítulo - Semente (parte 2)

Capítulo 27 – Semente (parte 2).

Neptune não tardou a refazer o trajeto até a ruela que tinha visitado mais cedo, muito embora, tivesse sentido um pouco de dificuldade em refazê-lo à noite. Por sorte, seus poderes permitiam saltar e escalar alguns prédios, dando-lhe uma visão privilegiada dos becos e da movimentação das pessoas.

“O senso de direção de Haruka é tão melhor que o meu.” – pensou ela. “Eu realmente deveria tê-la acordado e... Não. Não tem necessidade, dessa vez. Além disso, posso fazer isso sozinha, como quando comecei.”

Eram onze e quarenta da noite quando a Sailor chegou à ruela com os bares. De cima de um prédio mediano, Neptune logo avistou os barzinhos lotados. As várias e pequenas lanternas vermelhas alinhadas ajudaram a localizar. Os clientes apinhavam-se nos cubículos e, muitos deles, faziam tanta algazarra que mesmo lá de cima, a guerreira podia ouvi-los.

Desde que chegara ali, Neptune sentiu mais e mais a presença de algo indubitavelmente maligno, embora, não soubesse exatamente a sua origem. Espalmando sua mão, a jovem concentrou sua energia e, após um brilho suave, o Aqua Mirror se materializou novamente. Olhando atentamente para ele, Neptune esperou alguma pista... mas nada veio.

“É claro. Porque eu tenho todo o tempo do mundo, não é mesmo?” – pensou a Sailor sem evitar uma revirada de olhos.

- Certo. Como raios vou investigar com tanta gente lá embaixo? O que eu devo procurar exatamente? – disse Neptune baixinho.

Nesse instante, o Aqua Mirror passou a exibir névoas muito densas, que se esbarravam e se misturavam, como sopros de fumaça ininterruptos. Ao se dissiparem, alguma outra coisa começou a surgir no centro do espelho e Neptune estreitou os olhos na esperança de conseguir decifrar.

Então, letras enevoadas embaralham-se pelo espelho, dançando por ele até encontrarem as suas devidas posições e formarem uma palavra:

“Semente”.

Os olhos de Neptune, de estreitos, se arregalaram diante da visão. Desde que aprendera a manipular o Aqua Mirror, o objeto mágico nunca tinha apresentado tal ação. Geralmente, eram visões dispersas. Partes de locais. Dicas que cabiam a ela interpretar.

Nunca uma palavra.

“A não ser que...” – a garota engoliu seco. “Seria possível que ele tivesse respondido a minha pergunta sobre o que devia procurar?”

Confusa, a jovem olhou de um lado para o outro e resolveu testar:

- Aqua Mirror, o que devo procurar? – perguntou ela fazendo o possível para dar firmeza à voz. Neptune agradeceu mentalmente por estar sozinha no topo de um prédio. Mesmo sendo um objeto mágico, a garota ainda não podia acreditar estar falando com um espelho.

O Aqua Mirror tornou a mostrar névoas se formando e se dissipando e a mesma palavra surgiu. A garota não pôde controlar um sorriso entusiasmado.

Mas sua expressão tornou a ficar séria ao se dar conta de que a investigação não iria muito longe com tanta gente servindo de testemunha. Mesmo que agora soubesse o que procurar, descer do prédio não era uma opção. Por isso, a jovem se agachou cuidadosamente na borda do edifício e passou a observar o comportamento dos agitados clientes.

Os mais embriagados gritavam insultos aleatórios, fossem com os parceiros beberrões ou com os jovens funcionários que se apressavam para atender todos os pedidos.

Sailor Neptune colocou dois dedos na têmpora e massageou lentamente, começando a ficar irritada pelo barulho.

“Como aguentam ficar nesse caos pela madrugada? Ah, claro. Estão tão bêbados que mal podem ouvir uns aos outros.” – concluiu a guerreira revirando os olhos.

Forçando-se a ficar mais um pouco observando a ruela caótica, Neptune reparou que um rapaz de estatura média saíra dos fundos do bar cambaleando, levando consigo uma grade de bebidas. O jovem vestia-se como um dos funcionários e parecia ter dificuldade em carregar o caixote. Alguns clientes o repararam andando em ziguezague e assoviaram, riram e zombaram do comportamento dele, concluindo que o mesmo se encontrava embriagado. Já Sailor Neptune, estreitou os olhos e acompanhou o trajeto do jovem, que dobrou à esquerda da ruela.

“Isso não é um comportamento normal. Um funcionário estaria implorando por sua demissão se bebesse em serviço. E ele não me parece fraco para estar cambaleando com o peso da grade... Poderia ser que...

Neptune arregalou os olhos. Vira o padrão diversas vezes. A possibilidade de ser uma possessão fazia cada vez mais sentido. A Sailor esperou mais alguns segundos o rapaz sair do beco e se distanciar de possíveis testemunhas.

Descendo do prédio com um cuidadoso salto, Neptune se encostou em um contêiner de lixo e deu uma espiadela.

“Aquele olhar perdido. O caminhar sem direção e cambaleante...”

O jovem tinha deixado a grade antiga no chão e pegara outra do que parecia ser um pequeno depósito de um dos bares. Com o lugar mal iluminado por uma fraca luz do poste, a Sailor pôde aproveitar e se aproximar um pouco para analisar melhor o rapaz, que estava em pé segurando a nova grade de bebidas.

Estranhamente, ele continuou parado. A porta do depósito estava entreaberta e ele parecia não se importar.

Então, ele começou a rir. Um riso agudo que não parecia ser dele. Em seguida, murmurou alguma coisa que a Sailor não conseguiu ouvir. Neptune sentiu um frio na espinha e os pelos de sua nuca eriçaram.

O monstro tinha começado a se manifestar.

“Acho que essa é a hora onde me arrependo de ter vindo sozinha.” – pensou a Sailor dos Mares ainda escondida.

O jovem, ainda murmurando, caiu de joelhos deixando a grade com bebidas tombar no chão. Cacos de vidro das garrafas quebradas formaram um tapete perigoso ao redor do rapaz, mas ele parecia estar alheio ao fato. Neptune observou rapidamente o ambiente em busca de testemunhas, mas não avistou ninguém. Era uma preocupação a menos.

Querendo fazer uma entrada sem alarde, a Sailor saiu de trás do arbusto tentando ser o mais silenciosa possível. Os barzinhos estavam a alguns metros do depósito, mas ela queria não arriscar gritar um “Deep Submerge” e chamar atenção para o local. Porém, o problema seguinte era como atacar o rapaz sem usar um de seus golpes mais poderosos.

Nesse instante, uma ideia ocorreu à Sailor Neptune: ela poderia tentar conter o jovem antes que o demônio assumisse de vez o controle. Mas a estratégia vinha com um risco... Neptune precisaria usar de força física.

“Se Uranus estivesse aqui, eu o distrairia enquanto ela...” – A guerreira balançou a cabeça tentando afugentar suas inseguranças. Uranus não estava lá. Ela precisava dar um jeito sozinha.

Cerrando os punhos e ainda agachada, a Sailor dos Mares deslocou-se pouco a pouco até o jovem trêmulo, tomando cuidado redobrado para não pisar nos cacos de vidro.

A centímetros dele, Sailor Neptune o agarrou por trás, detendo-o com uma chave de braço poderosa. Imediatamente o rapaz possuído se contorceu e esperneou, como um animal selvagem capturado por uma rede. Sua agitação foi tamanha que derrubou os dois.

A Sailor franziu o cenho com a dor. O peso e impacto da vítima sobre seu corpo quase a fez soltá-lo, mas ela resistiu. As pernas do rapaz ora chutavam o ar, ora arrastavam pelo chão, espalhando ainda mais os cacos de vidro. Sua voz estava cada vez mais bizarra por causa da possessão e os pelos da nuca de Neptune se eriçaram novamente quando ele balbuciou palavras debochadas:

“G-Guerreirazinha... não p-pode dar conta...de todas as... as s-sementes! Nem as outras, muito menos v-você...” – disse ele ofegando.

Intrigada pelas palavras, a Sailor deixou um espaço de milímetros entre seu braço e o pescoço do jovem, o que possibilitaria ele responder sua pergunta:

- As outras? Quem são elas? Responda! – vociferou ela.

Quando tudo que a vítima fez foi rir com deboche, ela voltou a apertar o golpe, sabendo que aquela luta tinha de terminar em segundos ou... acabaria estrangulando a vítima.

Era difícil saber quando parar, às vezes. Seus poderes possibilitavam feitos incríveis, mas saber manipulá-los era imprescindível. Neptune sentiu-se como um gigante ao manusear sem quebrar uma minúscula taça de cristal. Naquele instante, ela teve medo de que o pior pudesse acontecer.

“Morte.” – a palavra ecoava em sua mente. De novo e de novo. A voz que escutava lembrava a sua, mas o tom era sibilante. Quase um silvo.

“Vai ser responsável por mais uma morte. O garoto Kaida morreu. Esse terá o mesmo destino. Morte. Mas é só um monstro...” – sibilava a voz.

- Não. – disse com firmeza a guerreira entre dentes.

Quando as mãos de Neptune ameaçaram tremer, a Sailor fez um último esforço e, calculadamente, dobrou a força. Então, o corpo do possuído amoleceu. As pernas pararam de agitar. Um das mãos, que segurava firmemente um dos braços de Neptune, soltou lentamente. A outra, que tateava um caco de vidro, simplesmente parou.

Com cuidado, a Sailor empurrou o jovem para o lado e ajoelhou-se perto dele, apreensiva. Porém, quando ia conferir o estado da vítima, uma semente de tonalidade rosa saiu do peito do rapaz e Neptune se afastou rapidamente, atônita com a cena.
A semente, que parecia etérea enquanto atravessava o corpo do jovem, tornou-se sólida e quebrou como se fosse feita da mais fina porcelana, deixando uma fumaça preta escapar. Imediatamente os dizeres no Aqua Mirror vieram à mente. Contudo, antes que Neptune começasse a formar suas teorias, um barulho de passos a interrompeu.

Com a adrenalina da batalha ainda correndo pelas veias, a Sailor dos Mares cerrou os punhos, preparando-se para lutar. Quando se virou, os dedos relaxaram ao ver a figura que lhe era tão familiar: Sailor Uranus.

- Parece que cheguei atrasada...


(continua)