terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Capítulo 13 – Dê-me notícias

Capítulo 13 – Dê-me notícias.

Fora tudo confuso, desgastante, mas, incrivelmente libertador. Ou pelo menos parte da experiência. Sem mais telefonemas limitados, justificativas forçadas ou encontros às escondidas. A calma viera aos poucos, com o dedilhar das notas no piano. O sono também. Naquela madrugada que parecia ser infindável, o telefone insistia em cortar o silêncio do apartamento. Três toques e uma mensagem direta e pouco demorada na secretária eletrônica...

Pela manhã, ainda se retorcendo na cama debaixo de finos lençóis, uma garota lentamente abria os olhos, esfregando-os logo em seguida para conseguir uma imagem mais nítida. Vira então, que outra jovem terminava de se trocar.

- Hey... – aproximava-se sentando na borda da cama – Bom dia, princesa – sorria. A loira até gostaria de perguntar como a outra dormira, mas seria estúpido...

- ‘Ruka...bom dia...que horas são? – sentava, ainda esfregando os olhos sonolentos.

- Não importa, descanse por hoje...não precisa ir ao Mugen – sorria levemente, enquanto ajustava a gravata do uniforme escolar.

Michiru não tinha razões para rebater. Se contradissesse Haruka, desperdiçaria seu tempo, não prestaria atenção em nenhuma das aulas.

- Seu...pai ligou... – dizia a velocista já de pé.

- Como ele conseguiu o...nem pra minha...nem ela tem o número. – desviava o olhar. Não gostara nem um pouco da notícia.

- Simplesmente, ele tem dinheiro. Conseguiria o telefone até do meu velho, Michiru.

- O que ele queria?

Neptune percebera que Uranus estava sendo cuidadosa nas palavras.

- Avisar que...ele fez um depósito na sua conta. E também, pagou adiantado a mensalidade do Mugen. Está tudo pago, até o terceiro ano.

- Só...isso? – o desapontamento era evidente no tom de voz.

- Eu acho que, pra evitar discussões ele... – era interrompida por Neptune, que a fitava.

- Não. Não justifique, Haruka...por favor...

- Foi só isso... – consentia com pesar – Deixou uma mensagem na secretária eletrônica...

- Isso é a cara dele... Tudo bem, não posso me iludir. Hora de seguir em frente...

- Comigo, é claro – dava uma piscadela, tentando brincar.

- Com você, é claro – esboçava um sorriso.

A loira antes de sair do quarto, tirava do bolso uma chave, mostrando-a a sua parceira.

- Preciso tirar uma cópia. Mas por hoje, fique com ela...assim que as aulas terminarem, venho pra cá. – jogava rapidamente o objeto para Michiru. Sorria, acenando. Entretanto, antes de sair do quarto, lamentava pela imagem que deixara, Neptune estava sentada na cama segurando a chave, perdida em seus próprios pensamentos.

[...]

“Tenoh! Tenoh Haruka! É a sua vez!”

Era a segunda vez que o professor de Educação Física gritava do outro lado da pista de corrida. Haruka despertava do transe momentâneo ao ouvir o irritante apito do professor. Fitava-o brevemente enquanto ele mostrava o cronômetro e apontava a largada. A garota tomou a conhecida posição, e esperou com impaciência o sinal do homem. Mal podia esperar para chegar ao apartamento e rever aquela com quem tinha se preocupado o dia todo.

A última aula do dia estava para começar. Uranus se esforçava para manter a concentração, mas era difícil quando se tratava de Narumi, a professora de artes. A mulher parecia empolgada para dar um aviso; com papéis em mãos esperou até que todos os alunos se acomodassem.

“Como todos sabem, nossa prova está se aproximando. Porém, recebi uma proposta muito interessante, que resolvi aceitar. A prova será substituída por uma atividade...Teatral.”

“O quê? Iremos atuar?!” – perguntava já de pé um dos alunos.

“Isso mesmo. Sente-se, não precisa de tanto alarde. Afinal, teatro também é arte, não? Alguns alunos de outra turma adaptaram um roteiro, que achei muito bem feito. Foi baseado em uma obra de Shakespeare chamada Noite de Reis, conhecem? É uma comédia romântica...”

Uranus, que rabiscava algo sem importância no caderno parava ao ouvir a notícia. Uma peça? A hora não poderia ser mais imprópria. A atividade exigia dedicação, concentração...itens que no momento, não poderiam ser cobrados de sua parceira. Ela mesma não estava em condições de atuar. Que fosse uma prova. Dez, vinte quesitos, uma ou duas páginas...

Entretanto, ao julgar a personalidade da sensei, não nutria esperanças de que voltasse atrás e desconsiderasse esta atividade. Quem raios tinha dado a idéia de uma peça?

- Sensei... – a loira levantava a mão e fitava a mulher – Quem não puder participar da peça...poderia fazer a prova?

“Aqui, todos participarão da atividade, Tenoh. Ou atuando, ou produzindo figurino, cenários... Eu não vejo razão para escolher a prova ao invés da peça. Por que você não poderia?”

- Eu...era só...uma hipótese. – resolvera se calar. Como corredora, podia apelar para o sempre útil “incompatibilidade de agenda”, mas sabia que se o fizesse, teria que apresentar documentos especificando horários, dias, além de assinaturas dos responsáveis. “Maldita burocracia”, pensava. Isso, o Mugen fazia melhor do que qualquer colégio: Cobranças.

“Antes que saiam, tenho aqui uma lista divulgando seus respectivos nomes e papéis na peça.”

- Já foi decidido? Não seria melhor sortear? – perguntava uma das garotas.

“Parte será sorteio e parte foi definida pelos autores da peça. Adaptaram alguns papéis e escolheram os alunos para interpretarem.” – respondia a professora – “E eu concordei.”

A loira sentia que a lista não lhe era favorável. Por que não sortearam todos de uma vez? Naqueles segundos que antecediam o aviso, Uranus pedia a todas as divindades, conhecidas e desconhecidas por um milagre.

Virando-se, a mulher escrevia em um papel o nome dos alunos a serem sorteados. Em seguida pediu-lhes que escolhessem um número, que correspondia ao trabalho a ser realizado. Assim, pouco a pouco as tarefas foram sendo distribuídas.

“Saito, está encarregado do cenário. Kaori, figurino. Yuna e Seiji cuidarão da iluminação. Reika ficará encarregada do cenário também. Bom, vou anotando aqui os números ao lado dos nomes, depois eu colo a lista perto do quadro para consulta.”

Enquanto a professora dizia os nomes e as respectivas responsabilidades, a velocista mordia a tampa de sua caneta, nervosa. Parando ao notar a reação das colegas a menção de um outro nome.

“Takeo...vejamos” – dizia a mulher, virando a página da lista – “Ah, aqui está. Você fará o duque Orsino.” – algumas meninas da sala suspiravam provavelmente imaginando talvez o garoto em trajes de época.

Ishikawa Takeo era um dos mais promissores jogadores de beisebol do Mugen. Alto, falante e bonito, o jovem era um adorável clichê perseguido por várias das garotas do colégio.

“Ah, e quem será meu par, sensei?” – perguntava o intérprete de Orsino. Ao ouvir a pergunta a loira fechava rapidamente os olhos, torcendo que os deuses livrassem sua violinista de ser o par do rapaz. 

“Bom, quem possui o coração de Orsino é lady Olívia, interpretada aqui por Yajima Mitsune.”

“Ufa...”  – a corredora suspirava, apoiando o queixo numa das mãos.

 “Porém, aquela que realmente o ama é Viola, papel de Kaioh Michiru.”

O quê?!”

“Ora, parece que o duque estará bem servido.” – dizia Takeo, enquanto olhava para os amigos, rindo.

Dada a notícia, a corredora fitava o rapaz. Não gostara da expressão que vira no rosto de Takeo. Parecia ter muitos planos para o ensaio e nenhum deles transparecia confiabilidade...

[...]

Kaioh Michiru acabara de sair do banho e encarava seu reflexo no grande espelho do banheiro. Sua aparência já estivera melhor. O abatimento estava evidente em sua face; e naquele dia, não estava com paciência para disfarçá-lo com truques de maquiagem. Ao vestir-se, desleixadamente, ouviu o interfone tocar. Era o porteiro dizendo que alguém procurava por ela. Ao ouvir o nome, desceu rapidamente...era o motorista da mansão Kaioh...

- Katou-san? O que houve?

“Ah, perdão por vir sem avisar, senhorita. Mas seu pai pediu que eu trouxesse alguns de seus pertences...também disse que a senhorita ainda é responsabilidade dele, então continuará pagando seus estudos e as outras atividades”.

- Diga-lhe que isso não será necessário. – fitava o motorista.

“O patrão comentou que a senhorita diria isso. E que mesmo assim manteria sua decisão...” – dizia o rapaz enquanto tirava algumas malas e entrava no prédio. Neptune por alguns segundos esquecera a angústia e sorriu discretamente. Seu pai parecia mais sensato que sua mãe... Queria encontrá-lo.

- Diga-me Katou-san...como ele está? Fale a verdade, por favor...

“B-bom, eu não falo tanto com o patrão, mas sei que quando ele descobriu que tinha partido, só voltou às três da manhã...de táxi. Parecia...”

- “Isso explica o telefonema...” – pensava – Hã? Parecia o quê?

“Realmente abatido...” – revelava o rapaz, colocando as malas no elevador – “A senhorita não vai entrar? O elevador já vai fechar...” – apontava.

- A-ah sim, sim...obrigada. Não precisa se preocupar Katou-san, eu mesma tiro as malas quando chegar ao andar. – sorria.

“Tem certeza? Se assim deseja, então eu já vou, senhorita. Tenha um bom dia...e...” – pausava, um tanto sem graça tirando o quepe azul-marinho – “Fico feliz que...esteja bem...q-quer dizer, nós, Hanako...eu...Morino-san...”

- Obrigada, isso significa muito pra mim, Katou-san... – sorria – Diga a Morino-san que as dicas de cozinha serão postas à prova.

“Ah! Direi sim, senhorita” – sorria o rapaz, curvando-se brevemente para em seguida, entrar no carro.

“Então é isso. Não tem mais volta. Mas seria ingenuidade minha achar que, conhecendo minha mãe, tudo se resolveria após uma noite de sono. Pai...queria vê-lo... Por que não ligou novamente? Mandou recados por Katou-san...mas ainda não falou comigo...” – refletia no elevador, olhando distraidamente as pequenas luzes dos andares que passava.

Chegando ao apartamento, deixara as malas na sala mesmo. Precisava de um chá. Usou o tempo do preparo para olhar o que viera nas malas. Algumas roupas, uma caixa com parte de sua coleção de cosméticos. Partituras, estojo com alguns lápis e pincéis. Viu também alguns CD’s e um pequeno álbum de fotografia. Contudo, antes que pudesse ver mais, escutou o barulho da chaleira, a água estava no ponto para o chá...

No colégio, os jovens recolhiam seus materiais. A aula terminara e a professora colocara uma lista perto do quadro.

“Confiram seus nomes e tarefas, discutiremos mais na próxima aula” – dizia a professora de artes, já saindo da sala.

- Vamos ver... Tenoh...Tenoh... – a loira passava o dedo na lista, a fim de descobrir que papel tinha sido reservado.

“Hã?! Tenoh-kun não vai participar da peça! Ficou com a sonoplastia!” – vociferava uma das meninas, enquanto Haruka a olhava com espanto. A classe realmente parecia surpresa, especialmente Takeo, que discretamente mudava sua expressão. Gostara da informação...

Silenciosa, a corredora dirige-se à porta, ainda confusa pelos acontecimentos. O alívio de não pertencer ao elenco principal foi dissipado, pois sua parceira fora selecionada para contracenar com alguém que não lhe inspirava confiança. A caminho do portão do colégio, percebera que outro estudante a seguia. Era Takeo. Séria, parou e virou-se, encarando o jovem, que sorria.

- Quer falar comigo?

“Sim, sei que é próximo de Kaioh-san... E já que ela não veio hoje, pensei se não estaria doente, ou algo assim...”

- Ela não estava se sentindo muito bem hoje... Por que pergunta?

“Bom, ela não costuma faltar as aulas, ainda mais sendo de artes. E você sabe, agora seremos parceiros no palco... não saberia dizer onde eu posso encontrá-la, Tenoh-kun? Ou o número do telefone?” – falava em tom calmo, colocando uma das mãos no bolso.

- Esse tipo de informação você deve pedir diretamente a ela. Não seria educado passar sem sua permissão. – Haruka esboçava um sorriso sarcástico, alfinetara os modos do garoto.

“Tem razão...farei isso. De qualquer forma, obrigado, Tenoh-kun...” – acenava antes de se virar, tentando não mostrar sua frustração. Sabia que Haruka não lhe daria espaço, o que não significava que não pudesse tentar novamente...

Passando por alguns bancos e árvores que adornavam o caminho até o portão, ouvia-se no Mugen burburinhos. Parte deles chegou aos ouvidos de Tenoh Haruka. Vinham detrás de árvores, esquinas de um prédio ao outro ou de bancos espalhados pelo enorme jardim... Aos pares, faziam comentários maldosos, inverdades que enchiam Uranus de ódio enquanto caminhava até a saída do colégio. Perguntava a si mesma onde estava o séquito que muitas vezes praticamente escoltava sua companheira. Amizades questionáveis.

“Deve estar em mais um concerto, por isso não veio.”

“...não é possível, esse mês ela se apresentou várias vezes!”

“Os professores sempre a protegem...”

“A família tem dinheiro, o que queria?”

“Aposto que está se exibindo em mais alguma revista.”

“Deve se achar muito importante. É por isso que não abre a boca.”

“Rainha do Gelo? É uma boa definição...”

“É anti-social.”

“Uma metida.”

O único consolo é que Neptune nunca se deixou levar por amizades como aquelas. Entretanto, isso, de forma alguma diminuía a raiva que a velocista sentia no momento. Após mais alguns comentários aleatórios sussurrados, a jovem parou.

- Calem a boca! – virava-se a loira, com os punhos cerrados – Vocês não a conhecem, não sabem absolutamente nada sobre ela!

Alguns viraram os rostos, outros, envergonhados andavam de cabeça baixa. Tinham se calado. Por hora. Uranus continuou seu trajeto, finalmente ao encontro de sua violinista. Chegando ao prédio, automaticamente procurava a chave em seu bolso. Sorria ao lembrar que tinha deixado com a garota, era uma estranha e agradável sensação saber que alguém lhe esperava.


(continua)

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Capítulo 12 – Okaeri

Capítulo 12 – Okaeri.

Duas garotas e um rapaz. Um belo rapaz, aliás. Percebera rapidamente uma das empregadas da mansão Kaioh, ao levar três chás e biscoitos ao quarto de Michiru. Não era comum a violinista trazer amigos. Sempre fora assim. Reservada e silenciosa. Aos quatro se comportava como se tivesse dez. Aos dez, como dezesseis. Numa progressão aritmética copiosamente ensinada pela mãe.

Seja madura. Não grite. Não corra. Nunca fale de boca cheia. Guardanapo, no colo. Ao limpar a boca, dobre-o para não mostrar manchas. Conversa tediosa, sorria e opine mesmo assim. Se bocejar, cubra discretamente a boca com a mão. Se bocejar outra vez, peça licença aos convidados: irá ao toilet, nunca lavar parte do rosto para espantar o sono. Fale baixo. Ria baixo. Tente não questionar...

Monotonia detectada? Certamente. Qualquer um ficaria entediado. Mas Kaioh Michiru aprendera tudo. Pôs em prática quase tudo. Sua relação com a loira ia de encontro ao que lhe fora ensinado. Percebera que a moral da família em muito diferia com a qual estava descobrindo ser...a sua verdade. Era sua vida afinal. Não ia deixar que a pouca experiência que tinha se transformasse em brecha para discursos tradicionalistas. Odiava-os: os discursos e por vezes os discursistas...

Contudo, naquele quarto imenso, procurava por um momento parecer despreocupada. Agir normal. Ou fingir naturalidade. Queria ser apenas uma adolescente preocupada unicamente com questões de Física...

- Kami-sama Haruka, você não está inventando frases com as fórmulas, está? – perguntava Neptune puxando uma das bochechas da velocista.

- Claro que não! Ai! – tentava cobrir a folha do caderno.

“O que ela escreveu Michiru?” – perguntava Elza aproximando-se da Sailor dos Mares.

- “Morra Uchida Violentamente” – dizia balançando negativamente a cabeça enquanto Elza ria.

- Admita...é muito mais fácil do que decorar Movimento Uniformemente Variado. – dizia a loira com um meio sorriso.

“Tudo bem Michiru, talvez eu aprenda alguma coisa decorando...isso.” – ria enquanto destacava uma folha do seu caderno, para Haruka copiar seu “método de ensino”.

- Claro claro... só tome cuidado para não ser expulsa da classe...decorando fórmulas disfarçadas de ameaças aos professores. – ria fitando sua parceira.

- Oe...isso me faz lembrar que preciso bolar uma frase envolvendo aquela professora também... – comentava seriamente, em seguida suspirava. Elza e Michiru riam. Desde quando se tornara motivo de piada? – Maldição...

“Ah, Michiru, conseguiu convencer Haruka a posar?” – sorria, olhando naturalmente a Sailor dos Mares.

- Com os argumentos certos...vou conseguir. – sorria.

- E-E...aqui você tem que multiplicar Elza. – desconversava a velocista ruborizada, apontando a questão que explicara.

“Ei, para um desenho com modelo vivo, é melhor que o mesmo esteja sem roupas, não é Michiru?”

- N-Não necessariamente...

Era a sétima do dia. Insinuações que faziam a loira implorar por um estado de coma. Se não conhecesse Michiru, diria até que tudo não passava de um plano com Elza para constrangê-la. Contudo, sabia que a Sailor dos Mares não gostava de expor sua vida... ao menos torcia para que estivesse certa.

“Haruka, é a segunda ponta que quebra, algo te preocupa?” – apontava Elza para a lapiseira.

- Menos conversa e mais concentração, Elza... – dizia Uranus – Tome, resolva essa questão.

“Ah, que má... Não vai nem dar uma dica de como eu começo?”

- Não.

“Michiru, ela é má assim com você também?”

- Bom, depende da ocasi...

- Use a segunda fórmula da página anterior, Elza... – suspirava. Michiru não estava colaborando. – “Magnífico...”

Duas batidas na porta. Michiru reconhecera a voz do outro lado; pediu que entrasse.

“Srta. Michiru, seu pai chegou, está na biblioteca.” – avisara uma das empregadas adentrando rapidamente no quarto, enquanto recolhia a bandeja com pratos e xícaras.

- Ah, obrigada...pode dizer que já estou descendo?

“Certamente, senhorita.”

- Antes, diga ao cozinheiro ou à cozinheira que os biscoitos estavam ótimos. – piscava Haruka à moça que corava brevemente.

“A-ah, direi sim, Sr.” – sorria dirigindo-se a porta.

Por um momento, a violinista sentira seu rosto queimar. O comentário de sua parceira fora doce demais. No entanto, desistira de fulminá-la com o olhar quando percebeu que Elza gargalhava e Haruka, sem graça, retomava sua atenção ao livro de física. Michiru agora, sorria.

- Do que estão rindo afinal? – perguntava a loira.

“A-ah, direi sim, Sr.” – retrucava Elza.

- Ara...foi engraçado, não se chateie...

- Pelo visto terei de andar com o sutiã por cima da blusa... – dizia apoiando o queixo numa das mãos. Baixava a cabeça, irritada, enquanto ouvia mais risadas.

Ao descer, Michiru suspirou, lembrando que sua mãe saíra naquela tarde. Almoço com amigas. Talvez combinassem preparativos para mais um jantar na mansão. Seria precipitado julgar a intenção de sua mãe? Vê-los como duvidosos? Talvez. A jovem não saberia definir ao certo se o altruísmo por trás de cada jantar beneficente estava sendo lembrado.

- Pai...? – abria a porta da biblioteca devagar.

Estava tirando papéis de sua valise. Ligara o laptop para conferir informações habituais do ofício, alguns cliques depois, fitou a garota pedindo que entrasse.

- A Kanako disse que...o senhor me chamou.

“Sim.” – sorria levemente – “Eu gostaria de conhecer o moço que está lá em cima, sim?”

- Que...moço? A-ah! A Haruka... – Michiru não poderia estar mais constrangida naquele momento – Kanako se enganou, pai... bom, e ela no momento está ensinando outra amiga minha.

“Ah, entendo... Você realmente não costuma trazer rapazes...além daqueles que sua mãe empurra nos jantares... Por sinal, onde ela está?”

- Acredito que preparando mais um jantar... – suspirava.

“Sabe que...eu nunca entendi o que se passa nesses jantares? Eu só cumpro meu papel de apertar mãos e ficar acordado até todos saírem...” – ria.

- Meu papel é parecido. – Michiru deu uma risadinha – Pai...se me der licença, eu preciso subir, as meninas me aguardam...

“Claro. Mas...Michiru...”

- Sim?

“Você sabe que...trazendo sua amiga até aqui...sua mãe provavelmente irá interrogá-la, não é? Aliás...deixe-me perguntar, foi com ela que você viajou outro dia?”

- Pai...eu... como você sabe? – tentava fitá-lo, mas seus olhos viajavam pelos livros da biblioteca, enquanto formulava uma explicação. Seu pai suspirava. Desconfiava? Não, não parecia...

“Posso não ser tão presente, querida, mas ultimamente notei que anda mais...empolgada com viagens. Além disso, você também não costuma trazer seus amigos, então...”
- Isso...vai me render uma bronca?

“Desde que cumpra suas obrigações escolares, não vejo tanto problema. Note que eu deixei a frase “condicionada”, sou um pai afinal” – falava sério, antes de olhar a tela do laptop deixando escapar um leve sorriso.

- Oh, está bem. – ria Neptune. Seu pai estava a apoiando mesmo? Quem sabe ele não falaria com sua mãe também e... Parava lembrando do rosto dela. Era deixar levar-se por uma utopia. Ela nunca aceitaria. Conhecia-a. De fato, isto era o pior. Sabia o que viria: discursos, o nome da família sendo pronunciado incontavelmente, drama, ironia e, novamente o nome da família. Talvez, nem seu pai pudesse evitar o iminente caos. Quase nunca estava em casa afinal...

“Michiru?”

- Sim?

“Peça desculpa a sua mãe, não poderei jantar com vocês hoje, tenho reunião. Aliás...já estou indo, não gosto de me atrasar.”

- Tudo bem...boa reunião – sorria – E...pai?

“Diga...” – dizia sem fitá-la, arrumando os documentos na sua valise.

- Arigatou. – sorria. Seu pai parecia acenava brevemente antes da garota fechar a porta. Parecia não ter entendido muito bem o agradecimento. Mas para Michiru, aquela conversa, aquela breve intimidade, interessantemente tinha lhe dado uma espécie de confiança. Ou reforçar a que fingia já possuir, para enfrentar o que estava por vir. Subira as escadas sorrindo.

[...]

“Mas a Michiru está realmente mudada Haruka...nunca a vi tão feliz.” – A velocista sorria discretamente, Grey não sabia o quanto aquelas palavras fizeram bem à loira.

- Falavam de mim? – entrava Neptune sorridente no quarto.

“Claro que sim, Haruka estava me contando de quem você gosta...” – provocava Elza fitando a loira, que arregalava os olhos.

- Oe! É mentira!

- Sei sei...terei que contar seus segredos agora, Haruka... – disfarçava um sorriso.

- Mas ela inventou tudo, desminta Elza! – passava a mão pelo rosto, cansada de ser alvo de piadas. Lembraria de nunca mais ensinar física à Elza...

- Ara...não aborreça a pobre Haruka, Elza... – ria – Bom, vim fazer um convite, o que acha de jantarmos fora? Já está quase na hora e acho que minha mãe trará convidados... Seria muito...enfadonho, acreditem.

“Tudo bem por mim.”

Depois de Uranus concordar, as três desciam a longa escada. Subitamente, Michiru parava. Um dos empregados abria a porta e saudava alguém. Sua mãe havia chegado...

“Coloque minha bolsa na biblioteca, sim? Vou dar alguns telefonemas...” – dirigia-se à empregada, notando em seguida a presença da filha, ainda nas escadas – “Oh querida, vejo que temos visitas hoje...ótimo, jantarão conosco.” – sorria e olhava rapidamente para Haruka que amarrava despreocupadamente um dos cadarços. Seria um jantar...interessante.

“Onde está seu pai?”

Perguntava a mulher aproximando-se da escada. Por um momento questionava se a decisão da filha em convidar Uranus foi pura inocência ou provocação. No momento, tentava acreditar na primeira alternativa.

- Em mais uma reunião...e ele avisou que não poderá comparecer ao jantar que a senhora planejou... – terminava de descer as escadas com pressa, não iria deixá-la impedir – E mãe, nós estamos de saída também, vamos jantar fora...

“Meu bem, o jantar aqui não demorará a sair, aliás, creio que a mesa já está posta. Não aceitarei um “não” como resposta...obviamente suas amigas estão convidadas.” – sorria, apontando o outro cômodo, a sala de jantar.

- Mãe, não será neces... – era interrompida pela mãe, que perguntava.

“É Grey não é? Lembro que há algum tempo nos visitou...e a senhorita também...Tenoh, estou certa?”

- Sim senhora. – Uranus tentava falar pouco e rapidamente...não queria permanecer ali...estava com péssima sensação. O incessante olhar da mulher sobre ela não ajudara. Virara-se por um momento, outro empregado aparecera, avisando que o jantar estava pronto.

“Não sejam estraga-prazeres... vamos logo ou vai esfriar” – dizia a mulher mostrando-lhes a sala.

Um grande lustre iluminava o local, no lado esquerdo, uma prateleira continha fotos de uma Michiru ainda pequenina. Vestidos brancos, laços azuis, poses contidas e um sorriso tímido se via nos porta-retratos. Discretamente, a loira fitava cada imagem, sorrindo...nunca tinha visto fotos da sua violinista ainda criança. Seus olhos deixavam a prateleira para se concentrar na imponente mesa de jantar.

A toalha de cor vinho combinava perfeitamente com o estofado das cadeiras. Essas eram adornadas por filetes dourados nas laterais. O breve silêncio que se formara era quebrado pela voz da mãe de Michiru que dizia: “Sentem-se, por favor”.

Na mesa onde estavam reunidas, havia doze lugares. Era insuficiente. Quatro pessoas. Pouco espaço. A conta não era ilógica, o clima durante o jantar era indigesto. A pressão exercida pela mãe de Neptune comprimia aquela mesa o suficiente para ouvir respirações espaçadas entre perguntas e respostas.

“Diga-me, Tenoh-san, é moda entre as garotas usar roupas masculinas agora?” – perguntava-lhe sorrindo a Sra. Kaioh, fingindo uma inocente curiosidade que Michiru percebera ser falsa.

- O conceito de masculino ou feminino, é um tanto ultrapassado se me permite dizer senhora Kaioh. Eu prefiro chamar de... “Unissex-Esporte-Casual”. Não precisa decorar isso, eu acabei de inventar. – sorria em mais uma tentativa de encerrar o assunto. Fora simpática, mas sua cota estava se esgotando. Queria poupar sua parceira de qualquer constrangimento. Amava-a o suficiente para dobrar sua língua.

- Mamãe... – dizia Neptune ponderando suas palavras – Desde quando se interessa pela moda jovem?

“Ora querida, apenas fiquei intrigada pelo visual moderno da sua...amiga – sorria antes de dar a próxima garfada.

“Ah...” – interrompia Elza tentando suavizar a conversa – “Mas de qualquer  forma Haruka tem muitos admiradores.” – tratou de reforçar o “E” da palavra, substituindo assim pelos inúmeros “As” que expressavam suas fãs.

“Ora, ora Tenoh-san, você foi modesta, escondendo que faz sucesso entre os rapazes...”

- É que nem eu sabia de tal sucesso Kaioh-san. – ria, olhando brevemente Michiru, que apertava cada vez mais sua taça. A conversa estava indo longe demais.

“Eu soube que...se diverte pilotando carros de Fórmula 1, estou certa? – a mulher fitava a velocista por um momento.

- Hobby que transformarei em profissão. – sentira a alfinetada. Não doera, mas estava controlando sua vontade de levantar e simplesmente deixar aquela casa. Se uma das moradoras não fosse sua bela violinista.

“Ah, Haruka...pare com isso, você é semi-profissional. Mônaco a tratou como tal, não? Disputou com veteranos.” – comentava Elza.

Por um segundo Neptune perdera o fôlego. Ironicamente, sensação incomum. Não demoraria até que a senhora Kaioh somasse dois mais dois e que a conclusão não lhe agradasse em nada. A violinista mentira sobre a última viagem, na verdade, sobre quem a acompanharia. Uma Michiru aflita sorvia um gole de água.
“Mônaco? Que interessante...Michiru também esteve lá há pouco tempo...para um...concerto...Não se encontraram lá Tenoh-san? – questionava a Sra. Kaioh, tecendo comentários que objetivavam a contradição das garotas. Michiru não sairia naquela noite sem lhe dar explicações.

“Minha nossa...olhe a hora, eu disse aos meus pais que voltaria ainda de tarde. Acabei jantando aqui...tenho que ir... Amanhã vou viajar.” – dizia Elza à senhora. Kaioh. Notara que havia falado demais. Michiru aproveitava a breve distração da mãe para fitar Haruka. Seus olhos diziam para acompanhar Elza. A loira hesitava deixar a garota sozinha, a situação era péssima, mas a Sailor dos Mares insistia. Resolvera então, acatar o pedido.

- Eu também estou indo, senhora. Acordarei cedo amanhã...treinamento. Obrigado pelo...jantar, estava...delicioso. – levantava-se Uranus. A mãe de Michiru limitava-se a sorrir. Em seguida pedia à filha que acompanhasse as duas jovens até a porta. Michiru obedecera. Questionava-se até quando repetiria a ação.

“Bom, eu tenho que ir Michiru. Foi muito bom ter encontrado vocês assim...amigas.” – sorria Grey – “E...me desculpe, acho que falei demais no jantar, sinto muito...”

- Não se preocupe, minha mãe é que adora colocar os outros em situações difíceis... Ah, e pra onde você vai amanhã?

“Okinawa. Na verdade não só eu, mais duas colegas corredoras vão comigo. Iremos disputar lá depois de amanhã.”

- Boa corrida e foi bom revê-la, Elza.

“Obrigada, igualmente... E Haruka, valeu pela aula.” – a garota ria, dando duas tapinhas no braço de Uranus.

- Espero ter ajudado na matéria... – estendia-lhe a mão.

“Ora, ora, tem que me dizer como domar o vento Michiru. Quem sabe eu não consiga vencer a corrida da próxima vez?” – piscava, aceitando o cumprimento de Haruka, uma raridade a ser aproveitada.

Apesar da aparente despreocupação, Elza deixou a mansão pensativa. Não precisaria ser muito esperta para captar a situação que se formara. Sussurrando um “Michiru...” pegou um táxi numa esquina próxima, e desejou que tudo corresse bem.

Esperando Elza distanciar-se um pouco, Haruka fazia sinal de que qualquer problema ligasse para ela. Michiru entendera. Sorria, tentando tranqüilizar a parceira. Assim que esta atravessa os muros da mansão, sua expressão muda. Apertava os punhos. Era hora de entrar...e enfrentar.

“Vamos para a biblioteca.” – era incisiva.

Michiru a seguia. Sua mãe fechara a porta e em seguida se posicionara em frente à mesa.

- Foi totalmente... – começava a jovem – Desnecessário aquele interrogatório.

“Desnecessário? Nada mais do que justo, já que você anda escondendo tudo de mim, ultimamente.”

- E por que exatamente a senhora acha que não comento certos assuntos? Poderia me dizer, mamãe?

“Não vitimize a sua situação. Eu me recuso a acreditar no... que você está metida. Há quanto tempo isso vem acontecendo? Por quanto tempo achou que conseguiria me enganar, Michiru?!” – encarava-a.

- Eu não pretendia enganá-la. Iria contar tudo, se você não...agisse...do jeito que está agindo! – desabafava. 

“É verdade...vocês duas vêm combinando muito por telefone, não?” – revelava.

- Ouviu minhas conversas?!

“Apenas me dei o direito de saber com quem você estava andando. No dia que discutimos, liguei para o seu pai...ouvi a conversa por acaso. Estava pensando em apresentá-la? Acha mesmo que eu daria meu aval à...isso?!”

- O direito que você se deu nunca foi seu! – gritava. As lágrimas já escorriam pela face. Fitava a mãe. Sabia que a mesma mandaria diminuir o tom de voz. Ninguém gritava naquela casa, mas Michiru não seguiria mais aquelas regras.

“Não grite. Quando os convidados chegarem, você vai manter a compostura, ouviu?”

- Nisso a senhora é melhor do que eu...

“Não use de ironia comigo.”

- Ao invés de ouvir conversas ao telefone, por que não se concentra em mais um jantar? Que nós sabemos...a causa beneficente pouca importa.”

“Já estou farta de sua intransigência, Michiru! Você vai manchar a reputação do seu pai, a minha, da sua família por causa de uma... É inaceitável esse tipo de relacionamento!”

- Que “tipo”? Saiba que eu a am...

“Não complete. Isso se quiser continuar aqui.” – falava, taxativa.

- O...quê?

“Como pôde se envol...”

Neptune estava atônita com o que ouvira. Nem tanto pela menção de sua saída da casa e sim pelas últimas ofensas – pesadas e desnecessárias – Sim, ela esperava uma discussão, até expulsão, mas sua mãe pronunciava seu nome e o de Haruka com um misto de...ressentimento e...seria nojo? 

A mulher continuava a encher a boca de frases absurdas, o nome da parceira da jovem fora pronunciado e acompanhado de insultos. Ao fitar a imagem embaçada da mãe, questionava internamente o porquê de tanta...aversão ao seu relacionamento com Haruka. Suas lágrimas deixavam a figura da biblioteca turva, assim como a da mulher que a acusava. Esta apontava em direção à saída. O ultimato.

Kaioh Michiru limpou o rosto, fingindo calma, resquícios de sua criação. Saiu sem dizer nada... No jardim, o motorista ao vê-la correndo, tentou se pronunciar, mas cumpria ordens. Era pago para dirigir, não perguntar...

[...]

Eram nove horas da noite, quando um porteiro baixou o jornal ao ver um táxi parar em frente ao prédio. Do veículo, saiu um rosto familiar. Entretanto, antes que ele pudesse sorrir e cumprimentar percebera que a moça chorava. Não conseguia sequer dizer direito o número do apartamento.

“Senhorita?! Posso ajudar?” – abria a portão enquanto falava.

Baixinho, dissera o nome de quem procurava e se dirigiu ao elevador. Já no andar, apertou a campainha do apartamento duas vezes...ia apertar a terceira, mas a porta foi aberta com impaciência.

- Michiru?! O que...você está bem? O que houve?! – perguntava Haruka aflita, fazendo-a entrar.

- Ela me...expulsou de casa... – dizia com pesar, sentando no sofá.

- Como?! Finalmente conversou com ela? E seu pai? O que ele disse?

A loira parava ao notar a expressão da violinista...as perguntas ficariam para depois, no momento só abraçava a garota, sussurrando que tudo ficaria bem, mesmo sabendo que a cura não viria tão cedo. A velocista tirou-a do sofá e levou-a ao quarto. Alisou os cabelos da jovem e a viu encolher-se ainda mais na larga cama. Seu coração estava apertado, não suportava vê-la assim. Iria levantar-se para fazer um chá, mas sentiu a mão da garota puxando fracamente seu pijama.

- Apenas...fique aqui comigo, ‘Ruka... – aproximava-se, encostando a cabeça no colo da outra. Haruka acariciava-lhe a face para, em seguida deitar também e abraçar a jovem por trás.

- Você não está só Michiru... Eu vou cuidar de você... – apertava-a contra seu corpo. A outra garota suspirava, fechava os olhos deixando envolver-se num abraço. – Eu sei que... – ponderava – Parece não ter cura no momento, mas isso passa, acredite. O que posso oferecer, é minha companhia...e meu coração, bom, mas esse você já tem há tempos... – beijava-lhe o ombro e via a outra sorrir fracamente. Já era algo.

- Sinto como se estivesse no mar, à deriva... Eu...a assustei vindo aqui nesse estado...chorando, não?

- Infelizmente não pude protegê-la do que aconteceu hoje...eu não devia ter ido embora.

- Não se culpe. Ninguém poderia me ajudar...se você estivesse lá, creio que seria pior...meu ódio aumentaria se ela te insultasse mais...

Haruka pensou brevemente em que tipos de insultos a mulher tinha despejado. Suspirou. Provavelmente os de sempre... Abandonando seus devaneios, concentrava-se em formular palavras de conforto para sua violinista. Não se considerava tão apta para tal, mas tinha de tentar...

- Não pense assim...cultivar esse tipo de sentimento, é como se estivesse preparando seu próprio veneno... Já passou. Você está comigo agora, está segura... – a violinista virava lentamente a cabeça, fitando a outra garota, que sorria. Delicadamente a beija. Sempre surtia o efeito que esperava. Esquecia de tudo. Mãe, pai, concertos e até sua missão. Haruka realmente estava dando seu melhor para animá-la... Permitiria que o fizesse então.

- ‘Ruka...me faça esquecer de tudo hoje... – dizia procurando aconchego no corpo da outra jovem.

- Venha comigo... – levantava-se, para em seguida estender a mão à Neptune.

A Sailor dos Mares não pretendia realmente sair da cama, mas deixou-se levar por sua companheira. Uranus abriu uma porta. O ambiente estava escuro, mas a janela permitiu que a lua esculpisse uma silhueta conhecida por Michiru.
A velocista sentava e com um gesto leve da mão, pediu que a outra fizesse o mesmo. Em frente, o piano. Michiru sorria discretamente enquanto Haruka soprava a poeira das teclas...

- Amanhã...tentarei pegar algumas coisas que ficaram lá...em casa.

- Esqueça isso por hoje...amanhã é um novo dia... – fitava Michiru por um momento antes de dedilhar notas suaves. Sua amante percebeu que devia aproveitar aquele momento. Perfeito. Encostou a cabeça no ombro de Haruka e fechou os olhos, a música era magnífica. Timidamente, Uranus sussurrou os versos da canção...Neptune sorria. – E além disso, já está em casa... Okaeri, Michiru.


(continua)

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Capítulo 11 - Reencontro


Capítulo 11 – Reencontro.

- Xeque-mate.

- Ara...isso não é justo.

Em uma tarde, as jovens enfrentavam-se no xadrez. A violinista tentava disfarçar seu aborrecimento, mas seu rosto denunciava-a, fazendo com que Haruka desse gargalhadas. Michiru era péssima perdedora. Tentando acalmar-se, tomava o resto do suco que lhe fora oferecido. Contudo, logo o colocaria no lugar quando viu a loira atender a campainha. Era um dos funcionários do prédio, que lhe entregara uma carta.

- Ora, vejam só... – sorria a loira enquanto rasgava a lateral do envelope.

Carta de uma fã. O envelope rosa dava algumas pistas de seu conteúdo, assim como o perfume que o acompanhava. Dentro, havia também uma foto da moça. Não era tão bonita, mas pouco importava, Michiru não estava de bom humor; já que não podia rasgar as fãs, pelo menos suas cartas...

- Eu espero que o lixo da cozinha não esteja cheio... – falava de modo aterrorizantemente calmo.

- Ahh, Michiru... – ria – Ela fez com tanto capricho.

- Não me importa... – cruzava os braços.

- Ué...essas meninas projetam seus sonhos em Tenoh Haruka princesa, seria um desrespeito rasgar... – brincava.

- Desrespeito é mandar fotos para uma pessoa comprometida.

- Muitas delas não sabem que sou...comprometida...aliás, nem do “A” do “comprometida!” – ria.

- Você e suas desculpas. Bem...só não se esqueça de que eu também recebo cartas, dos meus fãs.

- Ok, essas sim são um absurdo...um monte de marmanjo chorando por você.

- "Eles projetam seus sonhos em Kaioh Michiru." – retrucava.

- Eu sei muito bem o que pensam enquanto vêem suas fotos nas revistas e escrevem essas porcarias!

- Pior do que as coisas que você pensa não são...

- Mas você gosta de cada linha de meu pensamento... – a loira sorriu maliciosamente.

- E-Eu...estávamos falando das suas cartas, não estávamos? – desconversava.

"Querido Tenoh, eu acompanho sua carreira desde quando entrou para equipe de F1...eu observava como você corria com tanta...paixão...e acho que isso despertou um sentimento de..." – lia.

- Mas por que raios que você está lendo isso? – arranca a carta da mão dela – O "sentimento" que essa aí vai ter se continuar com isso, é arrependimento de ter nascido!

- Ei! Minha carta!

- Quer parar de ler essas coisas? – Michiru rasgava o envelope, jogando sem pressas os pedaços no chão. 

- V-Você rasgou... – dizia abismada.

- Bingo...

- Você não tinha o direito de fazer isso! 

- Kami-sama! Quer fazer o favor de responder por que lê isso? – a observava realmente enciumada.

- Você não tem coração Michiru? Se ela descobrisse o que você fez ia morrer de desgosto...

- Quanto exagero...

- E era tão jovem, e gatinha, e fã de corridas e...

- “E” tem sorte de eu ter rasgado a carta dela, porque se eu soubesse o endereço dessazinha, aí que ela ia morrer mesmo...

- Uma coisa que adoro...é que os fãs nunca terão oportunidade de vê-la com ciúmes e vermelhinha de raiva... – sorria se aproximando.

- Você brinca demais com fogo... Bom, com água, trocadilhos infames à parte... – ria deixando-se envolver num abraço.

- Não posso evitar, o vento às vezes atiça o mar, não? – a beija – Não sei se notou, mas atrás de você só há uma parede. Não vai ter escapatória sabe? – ria.

- E por acaso eu deveria querer escapar? – sorria, fechando os olhos.

- Mesmo se corresse não haveria como fugir de mim, Neptune. Nem por terra, nem por ar...talvez pela água, mas só talvez... – encosta-a na parede onde a beija mais uma vez, agora demoradamente.

- Ara...Talvez? Mas não se preocupe, eu não pretendo. – sorri.

- Princesa, afinal...quantos botões têm esta blusa?

- Que impaciência... 

Fechando os olhos mais uma vez, Neptune esperava outro beijo de Uranus. Não veio. Uranus olhava fixamente o chão, parecia querer lembrar de algo. E antes que a violinista pudesse fazer ou dizer algo a expressão da loira muda. Os olhos arregalados antecipavam um evento que Neptune estava com medo de descobrir...

- Michiru!

- Que foi?!

- Esquecemos da competição!

Entreolhando-se com terror, as duas se separam, correndo agora atrás de seus uniformes. Por motivo de força maior – bem, a companhia uma da outra – tinham esquecido suas respectivas competições. O Mugen também selecionara estudantes pertencentes a outros colégios e hoje, seria o teste. Os alunos de fora que conseguissem posições proeminentes, concorriam a ótimos prêmios, inclusive uma bolsa de estudo. Felizmente, as garotas chegaram a tempo da competição. Haruka lamentara o caminho todo; não teria a oportunidade de ver sua amada de maiô: as provas seriam realizadas ao mesmo tempo...

[...]

Enquanto Neptune fazia jus ao seu codinome, Haruka se posicionava na pista, concentrando-se ao sinal da largada. Ouve o tiro. Correu como sempre, em companhia daquele que era sempre fiel. Vitoriosa ao final, era parabenizada pelos concorrentes. Um toque no seu ombro, em especial, chamou-lhe atenção.

“Parabéns...Haruka.” 

“V-Você... não a reconheci...” – dizia ainda surpresa.

Nem poderia. Elza Grey estava bem diferente do que conhecera. Cabelos mais longos; ainda mais rápida e confiante. Chegara em segundo lugar, mas dessa vez não lamentava. Estava quase convencida de que não poderia derrotar... o próprio vento. 

Não era a primeira disputa que travara com Haruka. Estudara no mesmo colégio da loira, antes que a mesma pedisse transferência para o Mugen; tempos que lembrava com nostalgia...

Elza Grey sempre foi uma garota falante. No colégio, era daquelas que pedia a borracha para começar uma amizade com o novato ao lado. Ou aquela que o chamava para lanchar perto no intervalo. Simples gestos que selaram vínculos com várias pessoas, dentre elas uma estudante chamada Kaioh Michiru. Talvez Grey tivesse se identificado com a moça, uma empatia com um estado conhecido. Solidão. A esportista passara momentos delicados, sem conhecer ninguém na cidade além de seus pais. Anos antes, sem muita escolha deixara a Inglaterra, seu colégio, seus amigos e boa parte dos sentimentos.

O povo e a língua local trataram de dificultar sua adaptação. Reservados, os japoneses em seu convívio falavam apenas o suficiente, rápidos e educadamente... Jurando a si mesma que iria se adequar, Grey persistiu. E veio Fumino, seguido por Taiki, Rika, e Eriko. Pessoas que Elza conseguira conquistar; nacionalidade, sotaque e modos já não importavam tanto...

Quando viu Kaioh sentada cabisbaixa desenhando, sorriu para si mesma. Era a Elza de anos atrás. Com uma diferença: a violinista poderia se considerar sortuda, Grey iria dar o primeiro passo. Sentando uma cadeira à frente, perguntou o que a Sailor desenhava, porém, olhando com mais atenção reconhecera os traços.

“Ei... é aquela garota, não é? Da turma B... como é o nome mesmo?”

“Tenoh Haruka...” – disse Michiru, sem fitar a jovem.

“Isso mesmo, você a conhece?”

“Não exatamente.”

“Gostaria?”

Michiru parava, agora encarando Elza, que sorria.

“Gostaria de conhecê-la? Eu disputei com ela algumas vezes, fiquei sempre em segundo... É vergonhoso eu sei, mas um dia eu vou superá-la. Pode me desenhar na frente dela!”

Grey ria, apontando o papel. Michiru continuava desenhando, dessa vez sorrindo de leve.

“Você vai perder o intervalo... Suas amigas devem estar esperando por você lá fora.” – disse Neptune, escutando meninas chamarem por Elza da quadra do colégio.

“Não estou perdendo, estamos conversando, não? E além disso, se quiser que eu saia, é só dizer.” – sorria.

“Não... eu não quis dizer isso, é que...”

“Relaxa, estou brincando, Michiru-san.”

O tratamento íntimo e o sorriso da amigável estrangeira desarmaram momentaneamente Neptune, que, fechando o caderno de esboços estendia a mão, cumprimentando-a.

“Prazer em conhecê-la, Grey-san.” – o sobrenome fora guardado enquanto a professora fazia a chamada.

“Elza, por favor. Eu sei que o “L” não ajuda na pronúncia, mas prefiro ser chamada pelo primeiro nome, sim?”

“Ok, Elza-san.”

“Olha... ainda está de pé o que eu disse. Se quiser conhecer essa garota que desenhou, me procure.”

“Obrigada, vou me lembrar disso...”

E naquela época, Elza Grey era o mais próximo que Michiru poderia chamar de amiga, ainda que não se permitisse ter laços mais profundos. Não ainda... não com ela...

[...]

Perto da pista de atletismo, a disputa de natação terminava: Kaioh Michiru também vencera. Ainda enxugava os cabelos, quando para seu espanto, a velocista entrava no ginásio, acompanhada. Dando uma discreta torcida na toalha, forçava um pouco os olhos a fim de averiguar se conhecia a garota. Prestando atenção ao rosto, reconhecera a amiga com um sorriso.

- Elza! Há quanto tempo! Vejo que também disputou a corrida, como foi? – perguntava animada.

“Michiru! Que bom te ver.” – sorria – “Bem, disputei sim, mas fiquei em segundo. Mas também não é justo...” – olhava para Haruka, rindo.

- Mas...você fez uma ótima prova. – Uranus dizia um tanto corada pelo elogio.

“Obrigada Haruka. A propósito, parabéns Michiru, vejo que também ganhou” – sorria, estendendo-lhe a mão.

- Ah, muito obrigada, Elza. – sorria de volta, aceitando o cumprimento.

“Bom...quer dizer que estão juntas?”

- Como assim?! – diziam as Sailors em uníssono. De fato, Elza dera ambigüidade à pergunta, propositalmente. Estava começando achar tudo muito...divertido.

“Na...classe. Vocês não estudam juntas agora?” – perguntava, segurando uma risada.

- A-Ah...sim, sim...estudamos. E-Eu vou me trocar no vestiário e já volto... – dizia Neptune ainda corada.

Discretamente os olhos da loira passeavam pelo corpo da parceira, agradecendo enfim o privilégio de vê-la com o uniforme de natação. Contudo, sua expressão logo mudaria ao notar que alguns meninos faziam o mesmo. Franzindo o cenho, amaldiçoava-os mentalmente, sabia no que estavam pensando. Elza, observadora, riu baixinho antes de falar com Uranus.

“E então Haruka, a Michiru não é...fantástica?” 

- É... ela é sim. – sorria de volta. Falando de uma forma gentil que Elza não conhecia – Oe...estamos indo a uma sorveteria, não quer nos acompanhar? A entrega das medalhas será daqui a quarenta minutos, creio eu.

“Eu...não vou atrapalhar vocês duas?” – olhava momentaneamente para Michiru, já de volta, verificando se havia problema.

- Ah, de forma alguma. – Michiru respondia, animada por reencontrá-la.

Já no local, Haruka sentara ao lado de Michiru, como se acostumara, mas os olhares de Elza, que parecia se divertir com a situação a deixaram corada. Notara que parte de sua privacidade estava prestes a ser vasculhada. Grey ria.

- Q-querem que eu faça os pedidos? – falava a loira estalando os dedos.

"Por mim tudo bem..." – Grey dizia contendo um riso.

- Hai, por mim também – Michiru olhava Elza discretamente. Algo naquele sorriso era familiar... A violinista se lembrava dele... De quando Elza sabia de algo e tentava fingir que não. – E então, o que tem feito?

"Bom, treinando...estudando. Viajando à outras cidades...sabe como é... assim que o colégio descobre que você tem uma habilidade, logo pulam em cima.” – brincava – “E vocês?”

- Sim, sei como é... Bom, eu tenho participado da orquestra... consegui alguns concertos...essas coisas... Ah sim, e às vezes ainda participo de competições, como a de hoje.

“E você, Haruka?”

- “Encarando saiazinha e salto-alto, namorando Michiru, matando monstros e ganhando algumas corridas” Ah...quase o mesmo... E-eu vou pegar...os sorvetes... – dizia Haruka com um sorriso nervoso.

A reação da loira fizera Michiru pensar. Queria dizer algo para quebrar o gelo... Mas nada que não envolvesse Sailors ou a própria Uranus que lhe passava pela cabeça... Vendo Uranus sair, Elza curva-se um pouco e cobrindo parte da boca com a mão pergunta à violinista: “Ora, parece que Haruka perdeu...um pouco do medo de falar com as pessoas...Não é, Michiru?”

- C-como?

“Bom...ou talvez ainda não tivesse encontrado uma pessoa especial...” – sorria, como se soubesse de algo que Neptune não parecia querer revelar.

- "Elza sempre foi assim. Mas você sempre achou isso muito engraçado, não é, Michiru? Isso quando não eram com você as insinuações... ótimo... agora pense em algo"Ara... as pessoas mudam com o tempo, não é? – respondeu ela, por fim.

"Claro, claro...depois do nosso último encontro também resolvi mudar. Não só o cabelo afinal... Bom, mas quem sabe eu não volte ao antigo visual?” – ria enquanto via a corredora voltar ao lugar com os pedidos.

- Aqui estão os sorvetes. Bom, tirando em segundo lugar, significa que você pode ganhar uma bolsa, não é? – perguntava à Elza enquanto sentava-se novamente.

“É verdade, mas esse não era meu interesse principal. Vim ao Mugen, porque sei que aqui se encontram alguns dos melhores atletas. E, acabei te encontrando. Uma revanche não esperada.” – sorria.

- Mas você ficará no Mugen? – perguntou Neptune.

“Provavelmente não. O ritmo desse colégio exige demais dos estudantes e consome um tempo que gostaria de focar em outras coisas. Além do quê, minhas notas não estão lá perfeitas.” – sorria, enquanto tomava mais um pouco de sorvete.

- Física? – questionava Michiru.

“Sim, é ainda meu karma...a professora também não ajuda...” – suspirava enquanto brincava com a calda do sorvete.

- Oe... pior do que nosso professor não pode ser. Eu juro que em outra encarnação cortei a cabeça dele na batalha de Sekigahara... – falava a velocista, imitando um golpe com a pequena colher.

- Agradeça por ele não ter te expulsado como fez a professora de artes... – disse Michiru dando uma risadinha.

“Nossa, e por que ela te expulsou Haruka?” – Elza parecia realmente interessada o suficiente para não notar a expressão de terror no rosto de Michiru, que sem querer, falara demais...

- Eu mandei um bilhetinho para Michiru na aula e ela viu... – falara a loira com naturalidade. Tinha sido sincera afinal... Michiru discretamente suspirava de alívio. O conteúdo do bilhete estava a salvo.

“Ah, só isso? Que professora horrível...”

- Ah... Elza, depois de amanhã iremos estudar na minha casa, se quiser nos acompanhar... Haruka é boa em Física. Poderia dar algumas dicas... “O que estou falando?! Elza não vai descansar enquanto eu não confessar que estou com Haruka! Por que raios a convidei? Minha educação deve estar no piloto automático! Mas que droga!” – mentalmente Neptune desesperava-se, entretanto, anos de prática não a deixavam mostrar... ou quase, já que derramara calda de morango em sua saia.

- Se estiver tudo bem para você, Elza... – respondia Haruka ingenuamente, completamente alheia ao estado de sua parceira.

“Baka!!” 

Pensou a violinista arqueando uma sobrancelha e forçando um sorriso para Elza, esperando que os deuses interviessem naquele exato momento. Do contrário, fingiria um desmaio por excesso de açúcar na calda do sorvete. E sim, deveria ter estudado mais biologia. Ganharia credibilidade quando fosse explicar porque sofrera aquilo.

“Bom, eu aceito então” – sorria Elza, encarando por um momento Michiru, que mexia obsessivamente a colher na taça de sorvete – “Mas não vou incomodar mesmo? Quer dizer, devem estar acostumadas a estudarem sozinhas...” – disfarçava um sorriso antes de limpar a boca com o guardanapo.

- Não, você será bem vinda... "Kami-sama, o que eu fiz??"

Elza tinha razão. Estudavam sozinhas. O que poderia explicar o motivo dos cadernos de estudo das duas garotas estarem completamente limpos...

(continua)