sábado, 17 de agosto de 2013

Capítulo 22 - Confronto, comprimidos e alguns conselhos. (parte 2)

Capítulo 22 - Confronto, comprimidos e alguns conselhos. (parte 2)

Yuko Kimura puxou a manga do jaleco para espiar seu relógio. Pela hora, o remédio que dera já fizera efeito há tempos. Haruka tinha parado de fazer caretas de dor, mas não parecia ter intenção de levantar tão cedo da cama.

- Está melhor, Tenoh?

- Ah, sim. – disse a garota enquanto se espreguiçava.

- Hora de levantar, então. A próxima aula já vai começar.

- Hã? Mas achei que seria legal lhe fazer companhia o resto do dia.

- Que gentil e nada conveniente da sua parte. – Yuko levantou-se e ajeitou o jaleco. Haruka assistia seus movimentos com um sorriso. A enfermeira a ignorou. – Aqui está metade da cartela.  São dois comprimidos, do mesmo tipo que lhe dei. Tome um quando chegar em casa e beba bastante água hoje e amanhã. Vai ajudar a limpar seu organismo. Caso ainda sinta dor, pode tomar mais um amanhã de manhã depois do desjejum.

- Você é a enfermeira mais legal que conheço. – a jovem levantou e pôs a cartela dentro de um dos bolsos.

- Obrigada. – Kimura sorriu brevemente antes de abrir a porta – E você será uma aluna atrasada, caso não se apresse.

A loira deu uma última olhada para a figura esguia de Kimura e emendou um sorriso maldoso.

- E também a mais sexy. – disse antes enquanto saía da enfermaria. Yuko soltou um suspiro exagerado, alto o suficiente para a adolescente notar. Meneou a cabeça negativamente e apontou um dedo firmemente para a saída.

- Fora. Agora.

A enfermeira fechou a porta e deu uma espiada pela janelinha de vidro. Viu a adolescente correr para assistir a próxima aula. Ainda conseguiu ouvir um “Te devo uma, Yuko-chaaan!” da velocista. Kimura deu uma risadinha e o ar embaçou ligeiramente o vidro. Às vezes se perguntava por quanto tempo ainda trabalharia no Mugen Gakuen. Alguns dias eram divertidos. Outros, nem tanto. O dia de hoje estava enquadrado na primeira categoria.

"Eu definitivamente mereço um aumento, Hiyama-san." pensou Kimura.


[...]

Michiru soltou a maçaneta devagar, deixando os dedos escorregarem por ela. Ficou ali, parada na porta por alguns segundos de costas para a mãe.

“Posso sentir seus olhos me analisando, contando mentalmente quanto tempo levarei para ceder e me virar, perguntando o que quer. Pois bem. Vou deixar para me odiar mais tarde, então.”

- Aconteceu algo com ele? – disse a violinista antes de virar, porém fitava o chão. Seus olhos vagavam ora pelo tapete da sala, ora pelos lustrosos sapatos de Atsuko.

- Há algum lugar onde possamos conversar com mais...privacidade? – perguntou a mulher. Dirigia-se à Michiru, mas Nobuaki logo interrompeu, se prontificando com entusiasmo.

- Ah, vocês podem conversar aqui mesmo. De qualquer forma eu preciso ir à sala dos professores entregar...isso...e.... – o homem rapidamente juntou diversos papéis e os enfiou apressadamente em uma pasta. As duas sabiam que o diretor não tinha ideia do conteúdo dos arquivos.

Atsuko cumprimentou o diretor brevemente com uma reverência enquanto ele atravessava a sala em direção à porta. A mulher, então, esperou para falar, como se desse tempo à Nobuaki se distanciar pelo corredor.

Michiru permaneceu em pé, cabisbaixa, mas logo decidiu encarar a mulher quando esta quebrou o silêncio.

- Eu preferia Tomoe-san.

A violinista franziu o cenho, confusa com a informação. Sua expressão certamente não fora discreta, pois logo Atsuko tratou de completar:

- Quando visitei o Mugen Gakuen pela primeira vez, quem me deu o tour pelo colégio foi Tomoe-san. Um homem muito atencioso...devo dizer. Acabei conhecendo até sua filha naquela ocasião. Tomoe Hotaru, se não me engano. – Atsuko caminhou até o sofá, onde se sentou cruzando uma das pernas. Fitou a adolescente e fez um gesto com a mão para que a violinista se acomodasse também. Michiru apenas balançou a cabeça, recusando o pedido. A mulher suspirou e continuou. – Menina frágil e muito calada, ela. Tinha a pele muito clara e suas feições eram bem delicadas...

A garota fitou a mulher rapidamente, que parecia divagar nas próprias palavras, como se estivesse recordando algo. Um breve sorriso clareou o rosto de sua mãe, mas logo desapareceu.

Por um momento, Michiru realmente quis perguntar no quê estaria pensando, mas controlou-se. Obrigou-se. Em vez disso, indagou com impaciência:

- Não entendo que acontece. Primeiro eu entro na diretoria e me deparo com aquela cena dos “documentos do colégio” e depois a menção do meu pai. E então? O que finalmente aconteceu para desperdiçar seu precioso tempo e vir aqui?

A voz da garota dissipou o breve transe de Atsuko, que não conteve um sorriso diante do tom irônico usado.

- Na verdade, gostaria de saber se estará ocupada nesse final de semana.

- Não sei.

Atsuko sorriu discretamente.

- Significando que sua disponibilidade vai depender se te interessa ou não a proposta, não é? – A violinista desviou o olhar e a mulher tornou a falar com uma mansidão exagerada – Uma revista famosa no meio empresarial deseja fazer uma matéria com seu pai. Querem entrevistá-lo e tirar fotos dele e da...família.

- Boa sorte com isso.

Michiru viu Atsuko tamborilar impacientemente os dedos sobre a saia.

- Como eu ia dizendo... – continuou a mulher, optando por ignorar as farpas na resposta de Michiru – ...Essa publicação tem um enorme prestígio e conseguir essa matéria pode ajudar seu pai a fechar um negócio que tenta há meses.

- Diga aos jornalistas que viajei.

- Eles sabem que você está no país.

- Então fale que tenho um concerto.

- Isso não será possível.

- Por quê? Eles vão entender que eu-

- Comuniquei à equipe de que encaixaria o compromisso em sua agenda.

Atsuko interrompeu e assistiu a adolescente arregalar os olhos e cerrar os punhos.

- Você...o quê?! Como pôde assumir compromissos por mim? É inacreditável que queira me controlar depois de tudo que houve!

A mulher olhou de esguelha para a porta, apreensiva pelo tom de voz da garota, cada vez mais alto.

- Não quero lhe controlar, Michiru. Achei que não se importaria em ajudar seu pai.

A voz mansa. De novo. Diluindo sua raiva e transformando em confusão. A garota não entendia como a mulher podia falar daquele jeito, como se nada tivesse ocorrido entre elas. A violinista lançou um olhar descrente e não pôde controlar a pergunta:

- Como...consegue?

Atsuko arqueou uma sobrancelha e a garota continuou.

- Agir assim. Como se fosse um dia qualquer. Uma visita qualquer. Como se não tivesse sido você a me colocar... para fora.

Subitamente, a mulher levantou. Andou devagar até a adolescente, que parecia extremamente confusa. Atsuko levou uma das mãos ao laço verde do uniforme de Michiru e o ajeitou cuidadosamente, tornando o nó mais firme. A garota apenas acompanhou o gesto, perplexa.

O gesto era comum quando sua mãe a visitava durante o intervalo de suas aulas de música. Atsuko endireitava o laço e se ele estava um tanto caído, puxava-o para cima, dando-lhe um ar quase orgulhoso. Michiru apenas observava a mãe com um discreto sorriso. Essa ação descompromissada funcionava de maneira terapêutica. Era bem-vinda na época. Mesmo que nunca tivesse dito em voz alta.

- Eu e seu pai conversamos bastante nessas últimas semanas, como pode imaginar. Na verdade... – pausou a mulher para finalmente olhar a violinista – É interessante como há tempos não sentávamos para simplesmente conversar. – a violinista percebeu o tom melancólico na voz da mãe.

- Por que ele mesmo não me avisou disso? – Michiru resolvera ignorar o silêncio incômodo que começara a se construir.

- Ele nem tem conhecimento de que vim falar com você, Michiru. Além disso, ele nunca te pediria isso, sabe como é orgulhoso.

A jovem olhou de um lado para o outro, parecendo estudar suas opções. Sem dar muito tempo para a filha, Atsuko então aproveitou para falar:

- Por hora, gostaria que deixássemos aquele outro assunto para ser tratado depois. Que sabe quando estivermos na sala tomando um bom chá feito por Morino-san. – disse a mulher, acrescentando um esboço de sorriso. A garota arqueou uma sobrancelha.

- Acho que a próxima aula já vai começar, então... – disse com voz neutra e encaminhou-se até a porta. Mais uma vez os dedos apertaram a maçaneta e Atsuko deteve o ímpeto de segurar um dos braços da garota. Michiru abriu a porta e olhou com surpresa para o rosto de Nobuaki. O diretor estava parado e com um dos braços levantados, o punho cerrado pronto para bater na porta.

- A-Ah, perdão! – disse o homem, curvando-se levemente para o lado, o olhar focado em outro ponto. Ela entendeu que as desculpas não eram endereçadas a ela. – Eu só vim pegar outros documentos. Ia bater na porta, mas... – o homem deu um sorriso constrangido para Michiru, que deu mais um passo à saída.

- Não se preocupe, Nobuaki-san. – falou a violinista – A conversa já terminou. Obrigada por ceder sua sala. Agora se me dá licença... – o homenzinho dessa vez retribuiu o olhar e deu um passo para o lado, cedendo espaço para a garota passar. Contudo, antes de sair, escutou a voz da mãe: “Domingo, às duas horas. Katou-san pode levá-la”.

Sem se virar para encará-la, Michiru fez apenas uma breve reverência para o diretor e saiu. Mais confusa que possessa.

Não gostou da sensação. 
Sentir raiva era muito mais simples.

(continua)