terça-feira, 17 de setembro de 2013

Capítulo 24 – A Arte de Dissimular.

Capítulo 24 – A Arte de Dissimular

Ishikawa viu as duas atravessarem o portão e continuou seguindo-as. Estava achando muitíssimo divertido ver as expressões frustradas de Haruka para perder algum momento.

Subitamente, Haruka e Michiru pararam. O garoto também deteve os passos e fingiu mexer dentro da pasta preta que carregava, disfarçando. Levantando a cabeça discretamente, deu uma espiadela nelas. As duas trocaram olhares, mas não pareceram falar nada, embora suas expressões indicassem que estavam surpresas com alguma coisa.

“Por que pararam? Será que perceberam que estou seguindo? Vamos lá, Takeo, se perguntarem, você diz que estava indo pra casa do Ryou. É, é isso mesmo. Ryou mora nessa direção.” – o rapaz então suspirou de alívio quando Haruka remexeu na bolsa e tirou um objeto que ele não conseguiu identificar.

“O que é aquilo? Kaioh também tirou alguma coisa de sua pasta. Não dá pra ver direito, parece um...espelho? Mas o que... Hã? Por que estão correndo?” – pensou o jovem. Rapidamente as meninas atravessaram a rua em direção a um beco. Curioso, o garoto foi atrás.

Obstinado em segui-las, Takeo correu para a rua sem olhar para os lados, quando ouviu uma longa buzinada e o grito de um motorista de táxi. Assustado, o estudante recuou dois passos. Por pouco não fora atropelado.

Ainda um tanto desnorteado, Ishikawa olhou em volta e dessa vez atravessou a rua sem maiores problemas. Chegando ao beco, elas não estavam mais lá. Confuso, Takeo coçou a cabeça. Deu mais alguns passos e constatou algo intrigante: O beco era longo demais para as duas terem desaparecido.

Simplesmente não daria tempo de atravessá-lo e sumirem quando ele finalmente tinha as alcançado. Notou que os dois prédios separados por aquele vão não tinham varandas. As duas construções pertenciam a empresas e só havia janelas e várias caixas de proteção para condicionadores de ar. Takeo olhou para cima e pensou: “Ok, Tenoh é bem rápido, mas não a ponto de voar”. Estalou a língua entre os dentes e riu do pensamento idiota.

“Talvez toda aquela confusão pra atravessar a rua tenha afetado minha percepção, afinal.”

Quando resolveu dar meia volta e esquecer a estranha experiência, o rapaz notou algo de cor preta saindo detrás de um contêiner de lixo. Agachando-se, o jovem puxou o objeto pela ponta e arregalou os olhos. Era uma pasta preta de estudante, da mesma que possuía.

Ishikawa esticou o braço e tateou por trás do contêiner, procurando por mais alguma pasta. Sentiu a outra com a ponta dos dedos, mas não teve como puxá-la, ela estava posicionada exatamente no meio do recipiente. Desistindo, o garoto voltou sua atenção para o objeto que já segurava. Abriu, tirou um caderno e folheou as primeiras páginas.

“Nome do Colégio: Mugen. Nome do estudante: Kaioh Michiru” – leu o rapaz exibindo um largo sorriso. Michiru e Haruka realmente tinham passado por lá.

Ishikawa voltou a ficar sério por um momento e estudou a situação que encontrara:

“Será que sofreram um assalto? Mas...não faz sentido. O ladrão deveria ter levado isso aqui. E, se esse foi o caso, como os três desapareceram tão rápido?”

Sabendo da existência de um posto policial a duas quadras, o garoto pensou em comunicar o ocorrido.

Se é que algo havia ocorrido realmente.

“Não sei o que poderia dizer ao policial. As pastas não estavam simplesmente jogadas no chão...alguém definitivamente colocou nesse lugar.”

Levantando-se, Ishikawa saiu do beco com uma expressão resoluta. Colocou a pasta de Michiru debaixo do braço...e seguiu para casa.

[...]

Longe dali, um luxuoso carro preto entrou na residência dos Kaioh. O motorista, Katou, não estacionou na garagem como de costume. Fizera apenas a volta pela fonte na frente da mansão e parou, atendendo a um pedido de Atsuko.
Mais cedo, ele tinha vislumbrado a expressão frustrada da mulher quando ela saiu do Mugen Gakuen. Katou, gentilmente, perguntou enquanto dava uma espiadela pelo retrovisor: “Daqui deseja ir para casa, senhora?” E a mulher só meneou a cabeça, concordando.

Chegando em casa, Atsuko agradeceu brevemente Katou e fechou a porta do carro. Viu outra à frente se abrir, dessa vez da sua casa. Hanako, a mais nova das empregadas, recebeu-a com um sorriso.

- Bem-vinda de volta, senhora. – disse a jovem dando um passo para o lado, enquanto a mulher entrava. – Gostaria de um chá gelado? Morino-san acabou de tirar a jarra da geladeira. Ele disse que talvez a senhora quisesse um, estando o dia um tanto quente.

A voz de Hanako revelava uma empolgação da qual sentia falta e Atsuko não pôde evitar sorrir para a garota. Por um momento, sentiu um nó na garganta. Fisicamente, a jovem não lembrava em nada Michiru, mas possuía aquela vivacidade típica da adolescência. A mulher recordou como a expressão da filha sempre se iluminava ao mostrar sua mais nova pintura ou composição.

Ou do sorriso que mostrou ao apresentar aquela corredora...

Em um gesto quase imperceptível, Atsuko balançou a cabeça, como que tentando afugentar tais pensamentos.

- Boa tarde, Hanako. Vou aceitar o chá sim, obrigada. Poderia levar até o escritório?

- Certamente, senhora. – disse a garota sorridente fazendo uma breve reverência antes de dar meia volta e se dirigir até a cozinha.

Atsuko então caminhou até o escritório, que ficava no térreo da Mansão. Sentou na poltrona em frente à mesa e tirou o telefone do gancho. Discou alguns números e esperou impacientemente alguém atender. O pé já começava a bater no chão.

Ela então ouviu duas batidas na porta e deu permissão para que entrassem. Hanako posicionou a bandeja com o chá gelado na mesa, fez uma reverência e saiu, fechando a porta.

- Nakano-san? Sim, sou eu. Meu marido pode falar no momento? Sim, eu espero. Obrigada.

“E então? Como foi?” – disse a voz do outro lado da linha.

Ao ouvir a voz grave do marido, Hiromasa Kaioh, Atsuko se reclinou na poltrona e cruzou as pernas. Com o tempo aprendeu a apreciar o modo sem rodeios como o homem se expressava ao telefone.

- A verdade é que não sei dizer, Hiro. – respondeu Atsuko, os dedos massageando lentamente a têmpora.

“Pelo jeito a conversa não foi muito tranquila. Mas isso eu já devia esperar, em se tratando de vocês duas.” – apesar de o tom de voz do homem não ter sido repreensivo, a mulher percebeu certo desapontamento.

- Michiru sabe ser incrivelmente teimosa quando quer. – adiantou-se a mulher, parecendo se justificar.

“Claro que sabe. É sua filha também, afinal.” – a voz dele adquiriu um leve tom divertido e Atsuko revirou os olhos.

- Bem, fiz como combinamos. Disse a ela sobre a revista e que isso ajudaria a fechar um negócio. Disse também que você nem mesmo sabia da minha ida ao colégio para fazer esse pedido.

“Ótimo. Acha que conseguiu convencê-la?”

A mulher ficou em silêncio e tomou um gole do chá gelado, aproveitando para limpar a garganta. Lembrou-se do rumo que a conversa tinha tomado no colégio. Hiromasa entendeu a pausa como hesitação e logo perguntou:

“Atsuko, você não a obrigou a vir, obrigou?”

- Acabei fazendo isso. Usei meu tom de voz mais calmo e isso só pareceu deixá-la mais desconfortável. Então fui mais...assertiva e disse que o compromisso já estava marcado.

O homem suspirou longamente.

“Atsuko...”

- Deixe-me explicar. Nós dois sabemos que você não precisa da ajuda dessa revista para fechar negócio algum, certo?

“Certo. Embora uma exposição positiva da empresa seja sempre muito bem-vinda.”

- Mas ela não faz ideia disso. Ter dito que marquei o compromisso por ela dá a sensação dessa entrevista ser realmente importante para sua carreira.

“Entendo...” – ele fez uma pausa, parecendo considerar a explicação. – “Mas essa sua estratégia também pode sair pela culatra e só afastá-la.”

- Acredito que por você, ela pode até reconsiderar.

“Tenho certeza de que ela também sente a sua falta.”

- Acho difícil. Afinal, Michiru só pôde ver o meu desapontamento com ela naquele dia. Nunca viu o seu.

“Não precisa me falar o que já sei, Atsuko.”

- Sim, eu preciso. Minha decisão naquele dia foi certamente precipitada, mas eu vi o quanto ficou frustrado quando lhe contei sobre ela e aquela garota. Provavelmente, depois que telefonou para Michiru, você deixou a impressão de que está lidando muito bem com esse relacionamento, quando nós dois sabemos que não é bem assim.

Hiromasa ouviu tudo, sem interromper. Atsuko tomou mais um gole do chá. Sua boca insistia em ficar seca.

“Você tem razão quanto a isso, Atsuko.” – sua voz saiu com um fiozinho de cansaço, não era a primeira vez que tiveram aquela discussão. – “Contudo, nossa desaprovação não pode nos impedir de falar com a nossa única filha.”

A última afirmação veio como uma pancada no estômago de Atsuko. Às vezes detestava a sobriedade dos comentários do marido.

- Eu estou tentando lidar com tudo isso. Realmente estou. Do contrário eu não iria até o colégio colocar esse seu plano em prática.

“E eu agradeço por isso. Apenas...não seja tão orgulhosa.”

- E você tente não ser tão condescendente.

Os dois ficaram em silêncio por alguns segundos, lidando com o efeito das palavras trocadas. Em um silencioso e invisível acordo, decidiram adiar por hora a conversa.

“Atsuko, Nakano veio avisar que precisam de mim...”

- Sem problema, Hiro. – adiantou-se a mulher. – Bom trabalho.

“Obrigado. Conversamos mais tarde.”

- Certo.

Atsuko desligou o telefone e inclinou-se para frente, apoiando o queixo em uma das mãos. Pedaços da conversa com o marido ainda ecoavam em sua mente e, mesmo sentindo-se incomodada, admitiu que Hiromasa estava certo. Pelo menos em alguns pontos. Muito embora ela não tivesse o interesse imediato em confessar isso ao marido.

“Talvez eu realmente precise engolir meu orgulho...” – pensou a mulher, olhando distraidamente o gelo derreter no copo do chá.

(continua)

sábado, 7 de setembro de 2013

Capítulo 23 - Uma dose de veneno.

Capítulo 23 – Uma dose de veneno

Michiru chegou à sala de aula em tempo de ver o professor de química sair, notavelmente apressado. O Mugen era quase tão grande quanto o campus de uma universidade, por isso, ver professores suados pela maratona diária podia ser comum. Para evitar o olhar inquisitivo do homem pela sua ausência na aula, a violinista fez a sua melhor imitação de estátua. Por sorte, ele olhou apenas o relógio e pareceu não notar a presença dela.

Entrando na sala, a garota evitou os olhares dos demais alunos e sentou no lugar de sempre. Tirou seu caderno da pasta preta que carregava e o abriu na matéria de química. Não se dando o trabalho de entender, copiou rapidamente o que estava no quadro.

A forma mecânica enquanto escrevia as fórmulas era mais para entediar àqueles que a observavam. Entretanto, não surtiu efeito e logo ouviu comentários. Reconheceu uma das vozes.

“Aposto que você-sabe-quem arrastou Tenoh-kun para alguma sala e o entreteve por toda a aula...” – comentou Rumiko com Eri Nakamura, a voz um pouco mais alta do que um cochicho pedia. Nakamura ainda fazia anotações em seu caderno e, sem levantar o olhar, retrucou em tom displicente:

“Não acho que foi isso, Rumiko-chan. Hiyama-san a chamou na diretoria mais cedo...” – Rumiko fechou a cara e tamborilou os dedos na carteira. Esperava que a outra concordasse com ela.

A violinista ficou dividida entre agradecer Eri ou simplesmente mandar as duas cuidarem das próprias vidas. Geralmente, em casos assim, a jovem conseguia congelar o sangue por alguns segundos; assim, ele não fervia e ela não se dispunha com quem não merecia sua atenção. Naquele dia, porém, seu nível de paciência tinha diminuído consideravelmente.

E Rumiko precisava saber disso.
Escolhera um péssimo dia para fofocar.

Deixando a caneta sobre a mesa, Michiru virou-se devagar em direção às duas garotas. Fitou por um segundo Eri, mas foi Rumiko que ela decidiu encarar. Com um dos braços apoiado no encosto da cadeira, a Sailor dos Mares mostrou sua melhor expressão de falsa compaixão. Nakamura voltou a escrever, percebendo que fosse lá o que Michiru iria dizer, não era endereçado a ela.

- Imagino que não deva ser fácil para você, Rumiko-chan. – a voz baixinha da violinista ganhou um tom quase de pena.

- O que quer dizer, Kaioh? – Rumiko cruzou os braços e se remexeu na cadeira, obviamente desconfortável com a intimidade forçada usada pela outra. Os colegas mais próximos que conversavam diminuíram o tom de voz, claramente curiosos com o desenrolar do diálogo.

- Ah, que deve consumir grande parte de sua energia e tempo observar tudo o que faço. – a garota deu uns milésimos de segundo para a frase ser absorvida. Então continuou. – Nem imagino como é incômodo ter uma vida vazia como a sua, sabe? Talvez você possa nos dizer como é, Rumiko-chan... Se não for pedir demais, claro.

A Sailor dos Mares ouviu alguns assobios e engasgos dos colegas mais próximos. Queria muito exibir um sorriso de satisfação, mas se conteve.

A expressão de Rumiko foi de surpresa à possessa em segundos. Nunca tinham falado com ela daquela maneira. E na frente dos colegas. De relance, Neptune achou ter captado um fiozinho de dor no rosto da garota, mas fez questão de ignorar. Seu coração estava frio e ela abraçou a frieza.

A princípio se assustou com o teor de ironia e veneno que saiu de seus lábios. Não costumava desferir palavras tão duras aos outros, mas naquele dia fizera uma exceção. Tratou de bloquear qualquer avaliação moral da mente.

Para completar todo o ato de desprezo, Neptune virou-se sem ao menos lançar um olhar para a outra garota e continuou escrevendo.

Sara Matsuda, que, sentada na borda da carteira enquanto conversava com um colega, arregalou os olhos. Não esperava aquela reação de Michiru.

Matsuda deu uma espiada no centro da confusão e acompanhou em silêncio a cadeia de reações: Neptune passou a folhear despreocupadamente seu caderno como quem lia revista em salão de beleza. Rumiko parecia não saber como agir, e inconscientemente uma das mãos havia amassado uma folha do caderno.
A outra mão continuava firmemente fechada, as juntas dos dedos quase brancas. Sara observou Rumiko tencionar um dos braços no encosto da cadeira, pretendendo levantar. Eri, no entanto, tocou-lhe o ombro e balançou a cabeça negativamente.
A adolescente olhou de uma para a outra e acatou o conselho silencioso de Nakamura, mas isso não a impediu de encarar Michiru por vários segundos... Sua mente trabalhando como nunca em busca de xingamentos.

Quando os cochichos aumentaram, Takeo, que estava do outro lado da sala, foi em direção do burburinho, mas logo deu meia volta quando o professor de Física, Uchida, entrou na sala, juntamente com Haruka. Uchida fulminou a loira, que fingiu não vê-lo e tratou de se apressar para sua carteira. Não queria começar a aula tendo problemas.  O homem começou a apagar o conteúdo do quadro e a corredora tocou de leve o ombro de Michiru e sussurrou:

- Hey, perdi muita matéria em Química?

A garota, porém, apenas deu de ombros. Haruka arqueou uma sobrancelha. Sentiu uma pontada no coração. Pelo visto, havia uma relação a ser discutida mais tarde. Contudo, ela sequer teve tempo de pensar direito no assunto quando ouviu um estalo alto. Desconcertada, virou a cabeça de um lado para o outro e percebeu o professor encarando-a, a régua ainda raspando pela superfície do quadro.

- Quer ser o primeiro a responder as questões hoje, Tenoh? – perguntou o professor, o rosto tomando a forma sisuda de sempre.

Haruka soltou um suspiro e pendeu a cabeça para frente antes de responder.

- Se eu disser que não, o senhor vai chamar outra pessoa?

- O que você acha? – disse o homem com voz neutra enquanto batia lentamente a régua na palma de uma das mãos.

- Acho que vai me chamar de qualquer jeito, então vou levantar logo. – a loira esticou as dobras da camisa, fez um rápido alongamento nos braços e pernas de maneira notavelmente teatral e se dirigiu ao quadro. Alguns abafaram o riso e o próprio professor pareceu se divertir com o atrevimento de Haruka; era difícil definir o que seria uma expressão divertida no rosto costumeiramente sério de Uchida. A velocista pegou um giz e esperou o professor ditar a questão, mas o homem passou uma das mãos pelos cabelos grisalhos e simplesmente se sentou.

- Hoje vamos fazer diferente. Você será meu ajudante, Tenoh. Meu ombro não está muito bem e fica difícil escrever tantas questões. Tome, escreva essas aqui. – Uchida deu-lhe uma folha e a adolescente pôs-se a copiar, achando a situação estranha. Ela o olhou de soslaio e o professor realmente parecia cansado; a corcunda mostrava-se mais proeminente que nunca e sua face estava um tanto macilenta.

Pela primeira vez, sentiu alguma pena de Uchida, e, pensou momentaneamente em quantas vezes o homem havia dado aquela mesma aula. Sabia o quanto uma turma poderia dificultar a vida de um professor, especialmente se estavam munidos de pais de famílias consideradas intocáveis. O Mugen era um dos poucos colégios privados, afinal.

Por vários minutos a classe se manteve silenciosa e todos deram a impressão de que anotavam o conteúdo. Quando Haruka terminou de copiar, o homem meneou a cabeça no que parecia ser um agradecimento e apontou a carteira dela.
A garota deixou o giz na borda do quadro e foi se sentar, mas antes disso notou uma cena curiosa: Michiru estava cabisbaixa, com o queixo apoiado em uma das mãos e alheia à cena que se seguiu com o professor. Não parecia ter anotado nada. Rumiko, logo atrás, tinha o olhar fixo na violinista. Haruka poderia jurar ter visto umas faíscas nos olhos da colega.

O resto do dia transcorreu de modo tranquilo e Haruka tentou algum contato com Michiru, porém, sem muito sucesso. O máximo que conseguira foi a violinista ter lhe dado uma ponta de lapiseira... A loira não precisava realmente, mas omitiu tal fato. Entretanto, o gesto foi mecânico e não trocaram olhares e nem uma só palavra até o término das aulas.

A corredora pensou em puxar algum assunto entre a troca de professores, mas se conteve. O tempo era curto para uma conversa mais elaborada e certamente o lugar não era propício. Haruka sabia o quanto Michiru detestava indiscrição, embora isso não a impedisse de provocá-la de vez em quando. As reconciliações costumavam começar em um cômodo do apartamento e terminar em outro...

Ou vários.

Com o toque característico de final de aula, as Sailors juntaram seus materiais e colocaram em suas respectivas pastas. Haruka não parecia ter pressa, mas mudou de ideia ao ver a rapidez de Michiru, que se adiantou até a porta sem lhe dirigir um só olhar. A loira correu atrás dela.

Takeo, que observava a cena com um sorriso, pressentiu uma discussão pelo caminho e discretamente seguiu as colegas. Salivou ao pensar que poderia assistir Haruka levando um fora da própria Michiru.

A corredora apressou o passo e logo estava lado a lado da violinista. Notou, contudo, que a mesma tratou de ignorá-la. A loira passou a mão pela nuca, incomodada com a situação, estava em dúvida se começava a falar ali mesmo ou esperava chegar ao apartamento. Resolveu aguentar mais uns segundos de silêncio e apenas acompanhar o compasso da garota, que parecia marchar até a saída do colégio.

Haruka abriu a boca e fechou, sem saber direito como puxar conversa. Foi só quando Rumiko passou por elas bufando de ódio, que a corredora murmurou em direção à violinista.

- O que houve com Rumiko? Ela te encarou a aula toda. Pude ouvir praticamente os rosnados.
Mantendo o olhar fixo no portão do Mugen, Michiru respondeu em tom sério, optando por ignorar a piadinha na frase de Haruka:

- Não sei, alguém esqueceu de alimentá-la hoje. Deve estar com fome.

A resposta de Michiru fora seca, mas a corredora não pôde evitar a gargalhada.

- Ok, ok. Não precisa me contar agora, se não quiser. – disse a loira ainda rindo.

- Como você é compreensiva...

- Hey, eu entendi que no intervalo deixamos uma conversa pendente e...

- Como assim “deixamos”? Quem correu foi você. – Michiru a interrompeu, sua voz aumentando um pouco o tom. Tratou de apressar o passo. Quis mostrar sua impaciência para uma conversa daquelas no momento. Haruka, por sua vez, cansada de ser ignorada, segurou um dos braços de Michiru. O toque não foi firme, mas suficiente para que a outra lhe desse alguma atenção. O gesto, contudo, só irritou ainda mais a Sailor dos Mares.

A alguns passos de distância, Takeo Ishikawa observava tudo com ávido interesse. Tanto que o cumprimento dos colegas passou-lhe batido. O sorriso enviesado que sustentava abandonou seu rosto momentaneamente quando presenciou a loira segurar o braço da violinista. Fosse lá que conversa estivessem tendo, o garoto não gostou do que vira. Entretanto, antes mesmo de pensar em se aproximar e mostrar seu descontentamento, a própria Michiru lançou um olhar em direção à Haruka. Sua reprovação era evidente e a loira soltou-lhe o braço na hora. Ishikawa vibrou.

- Michiru, quer fazer o favor de parar um segundo e me ouvir?

- Não.

- Kami-sama, você está bem difícil hoje.

- E você bem insistente.

(continua)