terça-feira, 20 de maio de 2014

Capítulo 26 - Concha

Capítulo 26 – Concha.

Chegando ao apartamento que dividia com Haruka, Michiru mal ouviu o porteiro falar. Imaginando ser o cumprimento habitual, apenas meneou a cabeça em retorno. As Sailors entraram no elevador e não trocaram uma única palavra durante o trajeto. De repente, aquele cubículo pareceu muito menor do que era. Estava sufocante.

Impaciente, a violinista tirou a chave do bolso da saia, abriu a porta e entrou sem olhar para trás. Em seguida, foi até a cozinha em busca de um chá gelado. Escutou Haruka fechar a porta e o som de seus passos se aproximando. A corredora se aproximou dela devagar e recostou-se na pia. Estavam a um palmo de distância.

Michiru tomou um gole do chá e, nesse momento, apreciou o silêncio entre elas, desejando não precisar discutir as contrariedades vivenciadas mais cedo. Pela primeira vez a violinista refletiu sobre as desvantagens de dividir o mesmo teto. A impossibilidade de se isolar podia ser bem frustrante.

Quando morava com seus pais, era fácil encontrar um lugar aonde pudesse ficar sozinha. Havia tantas salas e quartos naquela mansão. Cômodos belissimamente decorados... E tristemente vazios. Nem mesmo quando seus familiares visitavam, a casa parecia cheia. Com tanto espaço, a violinista certamente possuía cantinhos favoritos.

Era no escritório de seu pai que se refugiava quando seus primos mais velhos a aborreciam. Já no gazebo do jardim, costumava ler ou pintar. A fonte, perto desse mesmo local, geralmente melhorava seu humor. Ouvir a água jorrando lhe trazia uma imensa paz... Quase tão bom quanto ouvir as ondas do mar banharem a areia.

Tais lembranças trouxeram conforto momentâneo, e Michiru fechou os olhos por um momento, querendo prolongar a sensação.

- Dia difícil, huh? – perguntou a loira baixinho, fazendo com que sua voz saísse ainda mais rouca.

Michiru precisou se conter antes de responder prontamente um “Não imagina o quanto”. Além do sumiço de seus pertences, ela ainda tinha uma rusga mal resolvida com a corredora. Entretanto, fora a conversa com a mãe que colocou o tempero final em seu estado atual de amargura.

Notando o desconforto da garota, Haruka desencostou-se da pia e sentou em uma das cadeiras da mesa. O gesto pareceu ter surtido algum efeito sobre Michiru, que relaxou levemente os ombros. Encorajada pela linguagem corporal da outra, Haruka tentou abordar o assunto de outra forma:

- Numa escala de 1 a 5, o quanto chateada está comigo? – perguntou ela em um proposital tom divertido, tentando manter a conversa leve.

- Três, eu diria. – respondeu a outra sem rodeio, encarando-a.

- Certo. – a loira esfregou a nuca e riu nervosamente. – Mas há algo mais, não é? Você voltou estranha do intervalo. Não quer me contar o que houve?

Quando Haruka viu a garota desviar o olhar, soube que seus instintos estavam certos: havia outra coisa incomodando a Sailor dos Mares. A árdua tarefa era saber o quê; pois Michiru ainda estava aborrecida com ela.

- Nada de importante. – respondeu Michiru baixinho, imediatamente se dando conta que não fora uma resposta convincente.

- Qual é, Michiru... Algo aconteceu, eu só não sei o que foi. Não confia em mim?

A pergunta foi como um estalo perto do ouvido. O questionamento trouxe de volta o assunto interrompido mais cedo, quando a velocista simplesmente abandonou-a no intervalo, correndo como se estivesse em uma maratona.

A violinista ouviu a loira suspirar e sentiu-se pressionada a responder.

- Eu poderia perguntar a mesma coisa. – falou Michiru, antes que pudesse conter a própria língua. Sabia que a conversa não estava indo por um bom caminho, mas de repente sentiu necessidade de despejar tudo que engolira mais cedo.

- Eu ficaria feliz em responder se soubesse do que está falando.

- Falo da história do piano. Aposto que inventou isso só para ficar de olho em mim no ensaio com Ishikawa-san.

- E-Eu estou cuidando da sonoplastia, Michiru! – exclamou a corredora, endireitando a postura tentando parecer mais confiante. Mas, o tom desesperado com que respondeu só aumentou o aborrecimento da outra garota. – Achei que seria uma boa ideia criar algo pra peça. – completou.

- Sabe... – falou Michiru com uma calma forçada que Haruka conhecia bem. – É estranho você vir falar de confiança, quando uns minutinhos sozinha com Matsuda-san fizeram seus olhos montarem acampamento nas pernas dela.

Haruka fez seu melhor para conter uma risada. Pelo menos isso ela poderia esclarecer sem problemas.

- Ainda está brava com isso? Você está equivocada, Michiru. Eu posso explicar.

- É mesmo? Devo deixar a porta aberta para você sair correndo como da última vez? – perguntou a violinista cruzando os braços.

Com isso, Haruka fechou a cara e Michiru manteve o olhar acusador. Ainda tentando entender como o clima entre as duas havia piorado, a velocista levantou-se e andou até a entrada cozinha, de onde falou:

- Parece que não importa o que eu diga, serei sempre culpada. Seja lá do que for.

Percebendo que Michiru continuava impassível, Haruka saiu da cozinha e atravessou a sala, embrenhando-se no quarto. Teve vontade de pegar a chave do carro e dirigir até que a adrenalina da velocidade substituísse sua raiva. Mas, se fizesse isso, daria mais munição paras as acusações de Michiru. Em vez disso, foi ao quarto pegar algumas peças de roupas e se trancou no banheiro. Talvez, uns bons e relaxantes minutos dentro da banheira a ajudassem encontrar a melhor maneira de resolver aquele desentendimento.

Além disso, era óbvio que a violinista não queria conversar. Era quase como se...

“Como se ela estivesse usando uma briga idiota pra desviar a atenção do real motivo de seu aborrecimento. Sim, pode ser isso... mas o que será que tanto a preocupa?” – pensou a loira, deixando o corpo afundar na água quente da banheira.

Em sua convivência diária com Michiru, Haruka sabia que a garota tinha tendência a se isolar. A Sailor dos Mares podia ser insondável quando queria.

Nesses momentos, era como se Michiru se deixasse tragar pelas profundezas do mar, descendo lentamente enquanto observava a luz do sol ficar cada vez mais e mais distante... Até que uma mão – com dedos longos e delicados – cortasse a água e puxasse-a de volta para a superfície.
   
(continua)